Em uma tarde calorenta caminhava em direção ao crepúsculo e convidava ao aconchego de uma sombra e de um chopp. Dois colegas, após retirarem-se de uma empresa, buscam saboreá-lo nas proximidades, antes de retornarem ao lar. Um deles é Adriano, o mais jovem e o de cabelos grisalhos, é Honório, os quais comentam o levantamento fiscal recém efetuado e, por fim, enveredam à situação pessoal.
—Honório, você que está às portas da aposentadoria, poderia recordar o seu ingresso na Previdência e o ambiente, então reinante?
—Bem, vejamos… Lá pelos meados de 1948 o ex-IAPETC efetuou um concurso público para o cargo de Fiscal, foram aprovadas e admitidas dez pessoas, entre as quais este seu amigo. Os vencimentos correspondiam a $2.720,00 mensais, equivalente ao salário de um escriturário (letra E) na importância de $1.720,00 acrescido de uma gratificação de $1.000,00. Para você ter uma ideia, se o escriturário atual perceber $5.000.000,00 adicionando-se uma gratificação no valor de 60%, perfazeria $8.000.000,00.
—É inacreditável, Honório! É remuneração ridícula, mesmo para a época!
—E tem mais, esse salário vigorou até 53/54 quando ocorreu um reajuste para o funcionalismo da União, o qual também não foi grande coisa, embora a inflação oscilasse em torno de 1% ao mês. Esta recrudesceu em 1960 com a construção de Brasília.
—E quanto à Previdência, era bem vista pela sociedade, na ocasião?
—Naquela época, a Previdência ainda engatinhava. Ninguém falava em aposentadoria e a sua contribuição foi recebida com reserva e até resistência. Na linha de frente, encontrava-se o Fiscal, tentando convencer os incrédulos das vantagens prometidas. Para isso, a fiscalização foi deslocada para o interior dos Estados. Esses pioneiros, através de condução precária, em estradas poeirentas, implantaram as primeiras regiões fiscais e fizeram os primeiros contatos com as empresas a fim de difundir os direitos e deveres da novel legislação, desconhecida no hinterland. Os funcionários dos institutos trabalhavam com afinco, muitas vezes fazendo horas extras, sem percebê-las, inclusive aos sábados. Era uma coletividade de alto nível, bem trajada e orgulhosa por pertencer aos quadros previdenciários. A mentalidade reinante não era imediatista, cumpria-se as tarefas, aguardando-se os aumentos gerais, ocorridos a cada três ou quatro anos.
— Pelo que ouço, bem diverso do que impera, diz Adriano!
— Todavia, o processo é dinâmico, as empresas evoluíram, sua escrituração passou de manual para mecanizada e o Fiscal em seu encalço, buscou aperfeiçoar-se em cursos vários, externa e internamente a fim de estar apto a examinar contabilidade, a perscrutar o código de contas e perquirir lançamentos ocultos e diversos.
— Eu dou até um conselho: o bom fiscal é sempre desconfiado, pois as empresas tentam inúmeras artimanhas para ludibriá-lo.
Depois, autoridades e empresários passaram a sacar contra o abstrato e a inflação intensificou-se. Em decorrência, os ganhos não acompanhavam os preços, os aluguéis subiam, os imóveis tornaram-se inacessíveis…. Então, as reivindicações germinaram. Fundou-se a ANFIP e as entidades regionais. Os servidores aprenderam que sem luta, dispersos, marcariam passo ou ficariam para trás.
—Houve algum colega mais atuante em prol da classe?
—Sim, na pugna, alguns líderes emergiram. Em S. Paulo destacou-se o saudoso Sebastião Almeida Vieira. E um nome que não deve ser esquecido. Sebastião palmilhou corredores do antigo DASP em busca de gratificações e de reparações nas injustiças. Veja que em 1976, nossa gratificação foi extinta e só retornou em 79. E de onde vem esse rolo compressor? Muitos trabalhadores, inclusive servidores, desconhecem que a burguesia detém o Poder, onde pode manter seus patrimônios e seus privilégios. As vantagens concedidas aos assalariados ameaçam esses privilégios. Por conseguinte, alvejam qualquer benefício à classe oposta. Os cortes em nossos direitos emanam dos políticos conservadores e eles no ápice estão, graças à ingenuidade daqueles que os elegeram.
—E o que você pensa a respeito da situação atual?
—No momento, propala-se alterar a Constituição, sob o pretexto de modernizá-la, mas sob a neblina, o que se visa é derrubar algumas conquistas dos obreiros e servidores. No tocante à classe, extinguir a estabilidade e barrar os vencimentos mais elevados. Mas veja você que não se revelam os honorários dos banqueiros, latifundiários etc.
—Eu vou sair, vou deixar essa trincheira, mas confio em você e nos demais. Ao longo dos anos, galgamos uma ladeira, passo a passo, mas não se pode cochilar sobre os louros obtidos. Fiquem atentos, pois qualquer descuido e uma vantagem constante do holerite, desaparece. A luta não findou e a vitória é dos perseverantes.
—Ergamos os copos e brindemos a todos!