Aquele mês, tinha eu sido designado para dar plantão na Agência do então IAPAS em Caruaru, onde, inclusive, antes havia trabalhado como Agente Administrativo, cargo que exerci na Previdência até a minha investidura como Fiscal.
No último dia para recolhimento de contribuições em atraso com redução de multa, formava-se, desde a entrada da sala em que eu me encontrava, estendendo-se pelo corredor, uma longa fila de contribuintes em busca de cálculos e demais orientações de como proceder para a obtenção da benesse oficial. Já passava de 11 horas daquela manhã e os serviços ainda se avolumavam, devendo-se a falta de maior agilidade no andamento dos trabalhos à análises mais necessárias nos casos envolvendo Previdência Rural e sobretudo em situações intricadas relativas à construção civil, convenhamos, áreas que se constituem pontos nevrálgicos na atividade fiscal. Independente disso, em face do adiantado da hora, fazia-se necessário que fosse agilizado o atendimento. Ademais, teria eu que concluir todas as tarefas do plantão naquele expediente, reservando o horário da tarde para visitas a algumas empresas, bem como para a inadiável preparação do Boletim de Produção Fiscal, a ser entregue no dia seguinte na Região Fiscal, em Recife.
Assim é que, após atender uma moça, olhos fixos ainda no cálculo há pouco feito, antecipei-me:
— O próximo.
Olhei para a cadeira à minha frente e notei que ninguém havia se apoderado dela. Ao que, em tom mais alto, repeti:
— O próximo.
Como nenhuma das pessoas se decidisse por se aproximar, um tanto intrigado, levantei a vista para a fila e vi que a vez era de um rapaz, estatura mediana, boa aparência que, estranhamente, continuava ali estático, olhar evasivo e distante. Mais uma vez, insisti:
— O próximo.
Por um instante, todos permaneceram imóveis, até que, decidida, uma mulher loura, de meia idade, que se encontrava logo após o rapaz, avançou à sua frente e sentou-se na cadeira, tomando-lhe a vez. Sem me dar tempo de contornar aquela situação, ele me encarou irado para, em questão de segundos, dar meia volta e, gesticulando bruscamente, precipitar-se corredor afora.
Ainda pasmado pelo inusitado comportamento do contribuinte, comecei a atender a mulher. Afinal, não tinha eu tempo a perder com delongas que viessem a retardar o meu trabalho.
Entretanto, não havia terminado esse atendimento, eis que reapareceu na porta da sala o dito rapaz. Desta feita sereno, esboçando ar de segurança de quem se achava protegido, fazia-se acompanhar da Agente.
— Ele é nosso amigo. Chegou lá no Gabinete dizendo que você não queria atendê-lo.
Antes mesmo de que eu, indignado, explicasse o ocorrido, a Agente, sorrindo, completou:
Ele é surdo-mudo.