Eis-me em Caravelas, passando por herói às custas da profissão. Ao pedir as chaves da Agência e sua colaboração para trabalhar à noite, Maurício, o Agente do então IAPETC., observou-me:
— Não, Walter! Nem pensar.
Estranhando a atitude do colega, procurei disfarçar.
— Ah! Malandro! Naturalmente tem algum compromisso?
— Não. Não tenho nenhum compromisso, não.
— E então? Por que se recusa a ajudar-me?
— Olhe, Walter. Vou te contar um “segredo de estado”! A Agência é mal-assombrada! — Sussurrou-me, com receio que alguém ouvisse.
— Mal-assombrada?! Por ser um casarão velho não quer dizer que existam “fantasmas” aqui dentro — Retruquei, ridicularizando-o.
— Mas, tem. — Nervoso, batendo pé firme, dava ênfase às suas palavras.
— Esse negócio de “fantasma” … só eu vendo. — Declarei enfático. —Vamos, dê-me as chaves e o resto deixe comigo.
— Pronto! As chaves são todas suas. Eu que não trabalho nesta Agência, à noite, nem que me pague. — Exclamou, amedrontado. Vendo a firmeza como falava, até eu fiquei na dúvida.
Tomei banho, jantei, porém… a história de “fantasmas” não me saía da cabeça. Mesmo assim, rumei para a Agência. No meio do caminho, indeciso, quis desistir. Apreensivo, pensando no dever, segui em direção à Agência. Desconfiado, meti a chave na fechadura da porta principal escancarando-a. O casarão, de construção antiga, com hall após a porta da frente e separado do corredor por uma grade aonde ficava o quadro de luz, ligada por obsoleta “navalha”. Esta, ao ser acionada iluminava os principais cômodos, com as lâmpadas diretamente ligadas para eventuais visitas noturnas (não existiam interruptores). No hall, logicamente, precisava alcançar a “navalha” a fim de iluminar o ambiente. Procurei me espichar tentando alcançá-la através da grade do hall. Antes de ligar a luz, ouvi um lúgubre gemido, parecendo de alguma alma penada. Apavorado, recuei.
“Será que é verdade essa história de “fantasmas”? — Pensei amedrontado.”
Na iminência de desistir, enchi-me de coragem tentando alcançar o quadro de luz e a “navalha” … e o gemido voltou a me desafiar. Pela segunda vez recuei espavorido. Respirando fundo tentei pela terceira vez. Nervoso, espichei-me o quanto pude. Queria me livrar da horrível escuridão, e dos apavorantes gemidos. Quanto mais eu me esforçava para ligar a “navalha”… mais os gemidos aumentavam. Por fim a luz! Bendita! Iluminando a sala, o corredor, o hall. Espantando o medo! Entrei na sala (escritório) ainda desconfiado, procurando o desconhecido; esquadrinhando os cantos, bisbilhotando. Por acaso, pisei na extremidade de uma táboa do assoalho. E para surpresa o gemido se fez ouvir no hall. Nervoso, pisei uma, duas, três vezes e o mesmo gemido se fazia ouvir. Voltei ao hall. Encabulado, pressionei com os pés a mesma táboa, e o gemido ecoou na sala. Foi aí que cheguei à conclusão de que não existia nenhum “fantasma”. Apenas a táboa do assoalho, pelo uso, empenada nas duas extremidades, pressionada, provocava o rangido fantasmagórico. Dando boas risadas, terminei o relatório por volta das onze horas da noite.
No dia seguinte cheguei na Agência com ares de “herói”.
— Meu caro colega. Você estava enganado. Não existe nenhum “fantasma” nesta Agência.
— Como assim? O que descobriu? — Perguntou-me, incrédulo.
— Simplesmente, seu “fantasma” não passa de uma táboa velha e causadora dos estranhos ruídos. — Imediatamente, cheio de orgulho, mostrei-lhe a responsável de toda aquela celeuma que vinha, há anos, apavorando os funcionários da Agência.
Nas noites seguintes, livre dos “fantasmas”, ia à Sede do Clube Social a fim de jogar tênis de mesa com bela paquera. Alta, clara, cabelos mais louros do que castanhos. Lembrava-me Ingrid Bergman, nos seus dezenove anos! E eu, me sentia Humphrey Bogart, moço, sozinho e carente.