Em audiência pública na ALMG, especialistas refutam termos da PEC 6/2019

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A Frente Mineira Popular em Defesa da Previdência Social promoveu uma audiência pública para debater a PEC 6/2019, sobre a reforma da Previdência, dia 10/05, na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), em Belo Horizonte (MG). O evento contou com palestras da economista e professora da UFRJ, Denise Gentil; do economista e especialista em Previdência, José Prata; e do advogado, membro da Comissão de Direito Previdenciário da OAB/MG e presidente do Ieprev, Roberto de Carvalho. Os debates foram conduzidos pelos deputados estaduais André Quintão (PT) e Marília Campos (PT).

A vice-presidente de Assuntos Parlamentares da ANFIP, vice-presidente de Política de Classe da ANFIP-MG, e uma das coordenadoras da Frente Mineira Popular em Defesa da Previdência Social, Ilva Franca, compôs a mesa de debates e representou as entidades mencionadas. Também estiveram presentes as vice-presidentes de Esportes e Eventos Sociais da ANFIP-MG, Fátima Ponzo; a suplente do Conselho Fiscal da ANFIP-MG, Júnia Fróes; o vice-presidente de Assuntos da Seguridade da ANFIP, Décio Bruno Lopes; e vários associados destas entidades.

Discurso falacioso

Em sua exposição, Denise Gentil criticou os principais argumentos utilizados pelo governo para justificar a reforma da Previdência, “altamente manipuladores, usam dados propositalmente seletivos, forjados para criar o terror na população a respeito do déficit público, para manipular o medo da população a respeito de uma velhice desamparada. É um discurso para calar os opositores, para imobilizar os indecisos”, afirmou. Denise Gentil atacou o suposto déficit, alegando que, por anos a fio, a Previdência auferiu superávit, por exemplo, de cerca de R$ 957 bilhões, entre 2005 e 2015 (“para onde foi esse recurso? Por que esse superávit não foi armazenado num fundo para que, no momento de um ciclo econômico ruim como o que estamos vivendo, esses recursos não pudessem ser usados?”); a dívida ativa previdenciária que empresários têm com a Previdência, de cerca de R$ 427 bilhões; as desonerações tributárias (uma ausência de R$ 283 bilhões de receita, sendo que 52% são recursos pertencentes à Seguridade Social); a renúncia proveniente do Repetro, que é a dívida das empresas petrolíferas [concedida pelo ex-presidente Michel Temer], cujo valor chega a um trilhão de reais até 2040; a sonegação de receitas da Seguridade, que chega a R$ 500 bilhões por ano; e a DRU, no montante de R$ 100,4 bilhões até 2017.
“Então, o governo precisa provar para nós, inclusive na Comissão Especial da reforma da Previdência, que não há uma alternativa menos gravosa do que aumentar o tempo de trabalho das pessoas, reduzir a renda que elas receberão no futuro, aumentar a idade para ter acesso a esse benefício, fazer exigências que implicarão na redução da expectativa de vida das pessoas”, argumentou Gentil.

Em seguida, a professora afirmou que a reforma da Previdência não fará o ajuste fiscal que o governo alardeia. “O objetivo não é esse. A proposta é privilegiar o sistema financeiro e fazer um estado mínimo, que vai proporcionar um ‘austericídio’ [combinação do suicídio com austeridade] para a grande maioria dos trabalhadores brasileiros”, disse. Ela completou dizendo que, dentro da PEC existe ainda o regime de capitalização, que implica na anulação do sistema existente hoje, que é o regime de repartição, de solidariedade. “Quando todos os trabalhadores começarem a contribuir para o novo regime [capitalização], vão deixar de contribuir para o antigo [repartição]. Só tem um problema: no antigo regime já existem aposentados que precisam continuar a receber sua aposentadoria. Então, vai entrar receita no sistema novo e vai faltar no sistema antigo. Vai haver um déficit muito maior no sistema antigo do que existe hoje. Quem vai cobrir esse déficit é toda a sociedade”, alerta.

Por fim, segundo Denise Gentil, existe mais um rombo que passa a acontecer. “É que os antigos contribuintes que quiserem adotar o regime de capitalização com medo de que o antigo quebre vão solicitar que o governo honre com as contribuições feitas por eles no passado. A pessoa passou contribuindo por 20 anos no sistema antigo, quer entrar no sistema novo de capitalização e vai perguntar para o governo: e as contribuições que fiz anteriormente? O governo vai ter que, na Justiça, honrar com essas contribuições. Tudo isso leva a mais gastos”, observou.

Destruição do Estado Social
Na segunda palestra da audiência, o economista e especialista em Previdência, José Prata, afirmou que o eixo da discussão acerca dessa reforma da Previdência deve ser o político-social e não o econômico, embora ele seja economista. “A nossa centralidade é contrapor a destruição do estado social que esse pessoal [governo] está propondo. Se fizermos isso, escolhermos o eixo correto e tivermos uma visão grande da unidade, dando visibilidade da agenda política previdenciária em todos os segmentos, podemos ganhar essa luta”, defendeu.

Prata também mencionou o problema do passivo que será gerado caso seja implantado um regime de capitalização no Brasil, que ele chama de privatização da Previdência. “A privatização gera um passivo, porque o Brasil tem cerca de 40 milhões de aposentados. Digamos que eu tenha 20 anos de serviço. Se eu for para o fundo privado, não capitalizei esses 20 anos. Como fica? É um passivo dos benefícios a conceder, que o governo tem que assumir. O Paulo Tafner, que é um economista ligado ao governo, calcula em R$ 12 trilhões esse passivo. Querem cortar despesa de um trilhão de reais gerando um rombo de R$ 12 trilhões. Como estão preocupados com o equilíbrio fiscal? Preocupados nada, eles querem é destruir o Estado brasileiro”, pontuou.

Intensificando as mobilizações
Em sua exposição, a vice-presidente da ANFIP, ANFIP-MG, e coordenadora da Frente Mineira, Ilva Franca, apontou os aspectos gerais da PEC 6/2019, com destaque para a desconstitucionalização e o regime de capitalização. A desconstitucionalização, segundo ela, pode proporcionar o que aconteceu com a reforma trabalhista e a terceirização. “Aprovaram na calada da noite, pois não havia necessidade de quórum qualificado. É o que querem fazer com a Previdência. Desconstitucionalizar para, posteriormente, fazerem alterações sem maiores entraves”, disse.

“Já a capitalização é um modelo baseado no individualismo. O trabalhador vai colocar o dinheiro em um banco privado e nem o patrão nem o governo vão depositar sua parte. Imaginem se isso tem condição de dar certo? No Chile não deu. As pessoas que estão aposentando lá agora estão até suicidando, pois o benefício delas não dá para nada”, informou. Franca ainda fez questão de frisar que as regras de transição são extremamente draconianas, promovendo rupturas para quem já está no mercado de trabalho, seja nas empresas privadas e, principalmente, no serviço público.
Na questão da aposentadoria de professoras e professores, Franca pensa que a proposta promove uma grande injustiça: aposentadoria aos 60 anos de idade para ambos os sexos com 30 anos de efetivo exercício na atividade. “Se isso passar, não vamos ter mais professores. Por isso que já estão propondo educar em casa, não é? É essa a visão”, ironizou.

Outro ponto que ela destacou foi o aumento das alíquotas de contribuição previdenciária, sobretudo as dos servidores públicos, que podem chegar a 22% da remuneração. “Os servidores públicos contribuem sobre toda a remuneração. Fazendo o cálculo, verificamos que o montante gerado pela contribuição deles durante toda a vida laboral daria para custear a aposentadoria por mais tempo do que seria sua sobrevida”, afirmou.
Por fim, Franca afirmou que a única forma de impedir uma reforma prejudicial é com mobilização. “Participando de atos públicos, conscientizando nossos familiares. Trabalhadores, servidores públicos, aposentados, pensionistas, jovens, idosos e toda a sociedade devem se unir e se manifestar. Mas não podemos, simplesmente, falar que não queremos essa reforma do jeito que está e não apresentar emendas”, disse.

Por isso, frisou, a ANFIP, junto com o Fonacate, tem feito um intenso trabalho parlamentar para coletar assinaturas de deputados para proporem emendas na PEC. “Só para as emendas serem discutidas na Comissão Especial temos que coletar 171 assinaturas de deputados. Nesse sentido, quero deixar registrado os parlamentares mineiros que fazem parte da Comissão Especial, para que possamos pressioná-los: Bilac Pinto (DEM/MG), Dr. Frederico (PATRI/MG), Luis Tibé (AVANTE/MG), que são titulares. Lafayette de Andrada (PRB/MG), Marcelo Aro (PP/MG), Mauro Lopes (MDB/MG), Rodrigo de Castro (PSDB/MG), Greyce Elias (AVANTE/MG) e Tiago Mitraud (NOVO/MG). Temos que fortalecer nossas mobilizações, atos públicos e os trabalhos parlamentares. Só vamos conseguir barrar essa reforma se nos unirmos. Não à desconstitucionalização, ao regime de capitalização e à retirada de direitos. Estamos juntos!”, bradou.

Insegurança jurídica
A última palestra foi proferida pelo advogado e membro da Comissão de Direito Previdenciário da OAB/MG e presidente do Ieprev (Instituto de Estudos Previdenciários), Roberto de Carvalho Santos, que se mostrou bastante preocupado com a insegurança jurídica que a PEC 6/2019 representa. “Quando falamos de desconstitucionalização, significa retirar do texto constitucional todas as regras mínimas, todo o arcabouço que está previsto, o que viabiliza uma reforma por norma infraconstitucional. Hoje temos a idade mínima, mas essa lei complementar poderá desconstruir tudo, estabelecer uma idade mínima de 70 anos, 72 anos. Então, veja a insegurança jurídica que vamos passar a vivenciar no Brasil se essa PEC 6/2019 for estabelecida. Ou seja, vamos assinar um cheque em branco para uma Previdência que não sabemos como será. E obviamente, com isso, a capitalização entra em cena”, observou.

O advogado ainda destacou dois pontos importante que não haviam sido discutidos anteriormente, que dizem respeito à aposentadoria especial para pessoas que trabalham em atividades perigosas e a anulação da atuação do Poder Judiciário em conceder benefícios previdenciários pela via judicial sem indicar a fonte de custeio. “A aposentadoria especial é hoje concedida a quem trabalha em área insalubre e haverá uma vedação da aposentadoria especial a quem trabalha em atividades perigosas. Isso é muito grave, porque, pelo menos judicialmente, temos conseguido aposentadoria especial aos eletricitários, aos vigilantes, às pessoas que estão expostas a produtos inflamáveis. Na concepção do governo, quem está em área insalubre sofre risco contínuo à saúde e aí eles retiram do texto a expressão integridade física. Ou seja, o risco à integridade física não vai ser mais coberto na Previdência Social de forma diferenciada. No entendimento do governo, isso não é algo que deva merecer um atendimento diferenciado, o que é um absurdo”, lamentou.

Sobre o Poder Judiciário, “querem calá-lo não só no âmbito da previdência, mas também na saúde e na Assistência Social, afirma Carvalho. “Se o juiz, que não pode criar a fonte de custeio, não indicar expressamente de onde está saindo aquele dinheiro, não vai poder, por exemplo, obrigar o SUS a fornecer um medicamento de uso contínuo que não está sendo fornecido. A PEC está dizendo o seguinte: não, o juiz não pode mais conceder, limitando o acesso ao Poder Judiciário, a não ser que ele indique a fonte de custeio de onde está saindo aquele dinheiro para cobrir aquele medicamento ou procedimento, como uma cirurgia. Olha que absurdo!”, salientou.

Para Roberto de Carvalho, é necessário promover uma educação previdenciária no Brasil, com formalização das relações de trabalho. Hoje, “quase 40% da população economicamente ativa não contribuem para a Previdência Social. Onze milhões de trabalhadores informais não contribuem para a Previdência, pois no Brasil não existe investimento em educação previdenciária”, informou.

“O governo, ao invés de difamar a imagem da Previdência, deveria estimular as pessoas a contribuírem, pois esse é um dos principais patrimônios que a população brasileira tem. Então, o caminho não está no fim da cobertura da previdência, mas sim no seu fortalecimento, na educação previdenciária e na universalização da proteção social, conforme estabelece o artigo 194, inciso primeiro, da Constituição”, ressaltou.
Por fim, disse que a PEC 6/2019 é inconstitucional, pois viola o artigo terceiro da Constituição Federal, que estabelece como princípio da República Federativa a solidariedade, a universalidade e a distributividade da proteção no âmbito da Seguridade Social. “Por isso, vamos trabalhar juntos e a OAB está de mãos dadas com todos esses movimentos, para que essa PEC não seja aprovada”, finalizou.

Participação do público
Ao final da audiência, o público presente pode se manifestar sobre a reforma da Previdência. Os que falaram ao microfone, em geral, agradeceram pelas excelentes palestras e oportunidade de conscientização, compreenderam os prejuízos que a PEC 6/2019 impõe a toda a sociedade, relataram casos particulares e se comprometeram a repassar as informações apreendidas.

No encerramento do evento, Ilva Franca agradeceu a participação de todos, especialmente de servidores públicos. Tivemos a casa lotada e o que mais nos alegrou foi que a maioria dos participantes eram servidores públicos. Que bom que está aumentando a participação nas mobilizações em defesa da Previdência Social pública”, exaltou.

Por fim, ela aproveitou para manifestar repúdio à aprovação, na Comissão Especial que analisa a MP 870/19, no Congresso Nacional, da retirada de atribuições dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil de informar possíveis ilícitos ao Ministério Público. “Retirar essa atribuição diminuirá o combate à sonegação, corrupção e lavagem de dinheiro, enfraquecendo a Corregedoria da Receita Federal e a Escola de Administração Fazendária (Esaf) — incorporada, pela mesma MP, à Escola Nacional de Administração Pública (Enap). A ANFIP está tomando providências para fazermos intenso trabalho parlamentar, a fim de barrarmos a aprovação, no Congresso Nacional, da MP 870/19. Vamos trabalhar muito para não permitir mais essa retirada de atribuições dos Auditores-Fiscais”, concluiu.

Fonte: ANFIP/MG