A mudança do órgão gestor das aposentadorias dos servidores públicos das autarquias e fundações, por meio do Decreto 10.620/21, trouxe preocupação para todo o funcionalismo federal e muitos questionamentos sobre sua legalidade. Neste sentido, a ANFIP realizou, nesta quarta-feira (24/3), mais um evento virtual da Série Live, com a participação de especialistas no assunto e representante do governo.
Conforme determina o Decreto, publicado em 8 de fevereiro deste ano, a competência e a manutenção dessas aposentadorias e pensões, que eram realizadas no âmbito do Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), passa a ser responsabilidade do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
O presidente da ANFIP, Décio Bruno Lopes, durante o debate, defendeu que uma unidade gestora de Regime Próprio deve tratar especificamente das questões dos servidores, considerando sua complexidade e particularidades. “A gente entende que o INSS é um órgão de extrema importância, com servidores extremamente qualificados e preparados, mas a autarquia não tem condições operacionais de atender nem o Regime Geral de Previdência Social. Trazer mais atividades, mais serviços, vai acabar por emperrar ainda mais a máquina administrativa do INSS”, disse o presidente, lembrando que, em 2020, as atividades do órgão quase pararam, por falta de pessoal.
Para Genésio Denardi, coordenador do Conselho de Representantes da ANFIP e presidente da ANFIP-SP, o Decreto afronta a Constituição Federal, no seu artigo 40, quando diz que “é vedada a existência de mais de um Regime Próprio de Previdência Social e de mais de um órgão ou entidade gestora desse regime em cada ente federativo”. Ainda citando a Carta Magna, ele ressaltou: “para que haja uma alteração estrutural, exige-se a edição de uma lei complementar. O que está sendo feito através de um decreto”. Denardi enfatizou, ainda, que o INSS não tem competência legal para gerir o RPPS, de maneira geral.
Representando o governo federal, participou o secretário de Previdência do Ministério da Economia, Narlon Gutierre Nogueira, que esclareceu as premissas e a origem do Decreto. “O Decreto está centralizando uma concessão que hoje está em centenas de órgãos, buscando fazer essa centralização, em relação ao poder Executivo, em uma entidade, como uma etapa para posterior criação de uma unidade gestora única”, afirmou.
O secretário também comentou sobre a legalidade e a constitucionalidade da norma. “Não há nenhuma inconstitucionalidade nem ilegalidade no Decreto 10.620. Ele é uma etapa de uma determinação Constitucional. Não há nenhuma alteração em relação aos direitos dos servidores públicos. Os servidores continuarão sendo vinculados ao Regime Próprio de Previdência Social. Os servidores das autarquias e fundações, que nessa previsão do decreto terão seus benefícios concedidos pelo INSS, terão os mesmos, os absolutamente mesmos direitos dos servidores cuja centralização está ocorrendo no Decipex”, enfatizou.
Narlon Nogueira informou que o tema será discutido com os demais Poderes da República e que o governo sabe sobre os desafios do INSS. “Nosso dever é continuar trabalhando para que o INSS possa se fortalecer e atender de forma mais adequada os segurados do Regime Geral de Previdência Social, os beneficiários das políticas assistenciais, como o BPC, e, caso o INSS venha a se tornar a entidade gestora única do Regime Próprio da União, também os servidores públicos federais”.
O advogado e ex-secretário de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento, Luiz Fernando Silva, foi enfático ao analisar as consequências dessa mudança para os servidores públicos. “A minha interpretação é que há inconstitucionalidade no decreto sim”. Além disso, na sua avaliação, o Decreto 10.620/21 ainda facilita a extinção do RPPS. “Esse horizonte me parece bastante temerário para os servidores públicos e para os trabalhadores de maneira geral”.
O ex-secretário também alertou para a falta de expertise do INSS na concessão de aposentadorias do RPPS e da falta de capacidade funcional e estrutural do sistema. “O caminho da centralização do Regime de Previdência dos servidores, no âmbito do INSS, em primeiro lugar, traz prejuízos para os próprios servidores, na medida em que vai retardar a concessão das aposentadorias, porque vai colocar essas aposentadorias no mesmo bloco geral de concessão de aposentadorias do Regime Geral. E trará prejuízo aos segurados, de maneira geral, porque será uma quantidade ainda maior de benefícios, de pedidos de aposentadoria ou revisões, que serão resolvidas pelos mesmos servidores do INSS”.
Para Luiz Fernando Silva, há espaço para questionamento do Decreto no âmbito judicial e orientou para que se busque o Supremo Tribunal Federal (STF). “Acho que o Decreto deva ser combatido desde já”, finalizou.
No mesmo sentido, o presidente do Instituto de Estudos Previdenciários, Trabalhistas e Tributários (IEPREV), Roberto de Carvalho Santos, que também participou da live, concordou que o Decreto agride frontalmente a Constituição Federal. “Nossa posição é que esse Decreto é, de fato, inconstitucional”. Para ele, as alterações efetivadas pelo Decreto 10.620/21 devem ser feitas por meio de leis, com discussão no Legislativo e participação de todos os atores envolvidos.
Outra preocupação do presidente do IEPREV é que a mudança sobrecarregue o INSS e, além dos prejuízos aos servidores públicos, também traga prejuízo muito grande aos segurados do Regime Geral. “O INSS não dá conta nem da concessão dos benefícios do Regime Geral. Agora vai se atribuir ao RPPS? Não há nenhuma condição para que isso ocorra. Não há dúvida que esse problema vai gerar um problema na concessão do benefício ao segurado do Regime Geral”, afirmou. E completou: “Nós repudiamos, veementemente, esse decreto”.
Por fim, o presidente da ANFIP, Décio Bruno Lopes, fez um apelo para que a Secretaria de Previdência e a Secretaria Especial de Previdência e Trabalho tenham um papel ativo na definição da unidade gestora do Regime Próprio de Previdência Social e no desenho de uma lei complementar.
O debate completo sobre o Decreto 10.620/21 pode ser conferido no vídeo abaixo ou no canal da ANFIP no Youtube.