Os convidados da Série Grandes Debates, promovido pela ANFIP, em parceria com a Agência Servidores, trataram nesta quinta-feira (30/9) do tema “Reforma Tributária e o dever fundamental de pagar tributos”, demonstrando qual o papel da sociedade no financiamento das políticas públicas implementadas pelo Estado.
O presidente da ANFIP, Décio Bruno Lopes, alertou que, ainda que não exista a prestação do serviço sem a tributação, já que ela é o meio para que o Estado cumpra sua função, a sociedade também tem a garantia de que esse poder de tributar seja limitado. “Essa garantia do cidadão existe justamente para que ele, enquanto financiador de direitos e garantias, por meio dos tributos que paga, também tenha a garantia de que suas necessidades serão satisfeitas”, destacou.
A mesma ideia foi defendida pelo vice-presidente de Estudos e Assuntos Tributários, Cesar Roxo Machado, que explicou a função social do tributo em viabilizar os serviços essenciais. “Para que o Estado moderno possa fazer suas políticas, é dever da sociedade financiar por meio de tributos”, frisou. Entretanto, alertou o vice-presidente, esse financiamento da sociedade deve ser feito de forma justa, de acordo com a capacidade tributária. “Se não for assim, se torna um instrumento de aumento da desigualdade. Por isso, nosso sistema regressivo deve ser alterado, para que haja justiça”, justificou, complementando que, “para o Estado atender os objetivos fundamentais previstos na Constituição, é fundamental que se altere o sistema tributário”.
Justamente essa regressividade do sistema tributário brasileiro, em que o peso do pagamento dos tributos se concentra no consumo, atingindo, dessa maneira, as camadas mais pobres da população, foi enfaticamente criticada pelos demais debatedores.
O economista e ex-deputado federal Luiz Carlos Hauly, um dos idealizadores da PEC 110/19, relembrou que, ao longo da história, o Brasil estabeleceu suas bases tributárias, sendo elas patrimônio, renda e consumo, partilhados entre União, Estados e Municípios. Hauly relatou que, a partir de 1988, após o Constituinte não implementar uma reforma tributária, a União começou a registrar perdas. A partir daí, criou contribuições e tributos não partilhados. “Se o sistema era ruim, ficou pior. Foi iniciada a obra do manicômio tributário brasileiro”, lamentou. Para o economista, essa estrutura afetou o desenvolvimento e a geração de emprego e renda. “Estávamos evoluindo e, há dez anos, demos marcha ré. O nosso crescimento é nulo. O que significa que estacionamos, enquanto o mundo cresceu. Para mim, o grande vilão é o sistema tributário, que enriquece algumas empresas e empobrece a população”, disse. Segundo Hauly, a PEC 110/19 tenta reconstruir o sistema tributário, por meio do tripé “simplificação da base de consumo, tecnologia 5.0 para cobrança instantânea e diminuição da carga tributária sobre os trabalhadores que ganham até dois salários mínimos”. “Vamos resolver em definitivo essa injustiça de forma fraterna e solidária”, enfatizou.
Em seguida, Mary Elbe Queiroz, advogada e presidente do Conselho Consultivo de Juristas Notáveis do Instituto de Juristas Brasileiras (IJB), criticou a falha em diversos projetos da Reforma Tributária, que, segundo a especialista, não apresentam números, nem dizem qual alíquota efetiva será paga. “Está faltando transparência para conhecermos os números. Ninguém paga carga tributária, se paga tributo e os tributos com certeza aumentarão. E, ampliando para a empresa, também aumenta para o consumidor final”, disse.
A advogada também lamentou o fato de não haver um padrão de nota fiscal no país. “Em plena era tecnológica ainda não temos nota fiscal uniformizada, temos que avançar nesse sentido para essa arrecadação se dar de forma mais rápida. O Brasil merece sim que haja uma reforma tributária, mas uma que corrija as distorções”, completou.
Para Mário Sérgio Telles, gerente de Políticas Fiscal e Tributária da Confederação Nacional das Indústrias (CNI), a importância do pagamento do tributo pela sociedade é indiscutível. O que, para ele, é preciso debater urgentemente, é a forma de recolher os tributos. “De 2009 a 2019, o crescimento médio foi de 0,9%. Quando olhamos o crescimento per capita, é zero. O Brasil não cresceu nesses últimos anos. E o grande fator é o sistema tributário. Por isso digo, arrecadar não basta. Precisamos arrecadar de forma eficiente e menos distorcida”, afirmou. Para Telles, o modelo de consumo brasileiro reduz a capacidade de crescimento econômico, especialmente para o setor industrial. Isso porque, conforme explicou, esse setor está exposto à concorrência internacional e, no Brasil, há incentivos para a importação, que retiram a competitividade interna. “De 2006 a 2019, o comércio varejista cresceu 66%. No mesmo período, a produção industrial caiu 5%. Quem abasteceu o mercado interno foi o produto importado. O modelo tributário tira nossa capacidade de competir”, argumentou, enfatizando que é fundamental que se faça, agora, a reforma tributária.
Ao finalizar o debate, Décio Bruno Lopes destacou que este é um tema complexo e que não se soluciona de um dia para o outro. “Isso não se resolve sem debate e, neste momento de pandemia, em que não há possibilidade de audiências públicas no Congresso Nacional, essa é a nossa preocupação. Nosso objetivo nas lives é um debate franco, ninguém é dono de uma verdade, estamos todos tentado construir algo que, constitucionalmente, traga prestação de serviço e consciência tributária”, finalizou.
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