O debate sobre a tributação da renda e da riqueza abriu a programação da tarde de terça-feira (29/8) do Fórum Internacional Tributário – Fit 2023, evento promovido, em Brasília, por ANFIP, Fenafisco e Sindifisco Nacional, com apoio da Fenafim e do Comsefaz. O economista Manoel Pires, da Fundação Getúlio Vargas, organizador do livro Progressividade tributária e crescimento econômico, abordou os detalhes de como o tema tem crescido de importância no mundo inteiro, inclusive no Brasil, onde a agenda de debates começou a andar de forma mais ordenada. O painel foi coordenado pelo vice-presidente de Assuntos Tributários da ANFIP, Gilberto Pereira.
Progressividade – Pires listou alguns motivos para se discutir a progressividade tributária e aprofundar o conhecimento sobre o tema. O primeiro está relacionado ao revisionismo necessário a partir de 2008, quando começaram a ser estudados os efeitos das reformas realizadas com base no modelo “tricodal econômico”, no final dos anos 80, em que se reduziu a tributação sobre os mais ricos sob a alegação de que esse segmento, com mais capital, poderia investir mais, contribuindo com o crescimento econômico. “Depois de 2008 se descobre que essas reformas geraram pouco crescimento e muita desigualdade social”, destacou.
O segundo ponto tem a ver com a pandemia. De acordo com Pires, a pandemia escancarou a desigualdade de maneira muito aberta, o que mudou a percepção das pessoas em relação à assistência social. “Ela mostrou a questão dos invisíveis, as pessoas que têm pouquíssimo acesso à proteção social e têm situação de vulnerabilidade elevada”, explicou. Segundo o economista, a pandemia criou um espaço político para se debater a progressividade a partir de mudanças nas preferências da sociedade em prol de uma redistribuição de renda a favor dos pobres. “Não é à toa que tivemos expansão da assistência social no Brasil”, justificou.
O terceiro aspecto da discussão tem a ver com o PL 2337/21, que trata da reformulação do sistema do Imposto de Renda (IR). “Foi a primeira proposta de reformulação mais significativa do sistema desde a reforma de 1995”, afirmou. Conforme explicou Pires, ainda que o projeto tenha sido apresentado, existe uma dúvida sobre qual direção a reforma deve seguir. “As pessoas sabem, em geral, que é necessário fazer uma reforma da tributação da renda e patrimônio, entendem a questão da falta de progressividade e da regressividade, mas ninguém tem claro qual modelo de IR é melhor para o Brasil”, argumentou. Essa dúvida não existe em relação à tributação sobre o consumo, que, segundo ele, é mais amadurecida. Isso justifica o fato de o atual governo preferir fazer a reforma da tributação sobre o consumo primeiro, para amadurecer o debate da renda e patrimônio num segundo momento. “Nós, da academia, conhecemos alguns dos problemas do sistema tributário, mas o debate público, na prática, mostra uma discrepância enorme entre o que se vivencia na academia e o que a sociedade deseja. Essa distância ficou evidente na tramitação do PL, questões como tributação de lucros e dividendos e a tributação da folha”, disse.
Modelos brasileiros – Sobre a tributação da folha, Pires destacou que o Brasil pratica uma forma peculiar de modelo. O trabalhador formal, conforme explicou, paga Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), Previdência, Sistema S e Imposto de Renda Pessoa Física. Em uma simulação baseada na metodologia da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), um chefe de família solteiro, com uma renda de 100% do salário médio, sem filhos, tem carga tributária de 34,9% da renda, com média de 34,6% na OCDE. Um segundo exercício, mudando o perfil da família, desta vez composta por casal e filhos, mostra que amplitude da carga, distância entre a carga mínima e a máxima, fica em 6,2%. “Não tem progressividade na tributação sobre a folha. A gente faz tudo diferente do que o resto do mundo faz. Em vez de tributar a renda na pessoa física, eu tributo a contratação dos trabalhadores. Na prática, é tributada a decisão de produzir”, ressaltou.
Pires também criticou o sistema do Imposto de Renda e a excessiva tributação corporativa. Sobre o IR, em que as exceções e deduções são mal desenhadas em relação a outros países, não se considera a capacidade econômica das famílias. Os mais ricos, no Brasil, pagam o mesmo percentual, como proporção de renda, que alguém da classe média. “Essas coisas precisam ser moduladas, ao fazer isso, a progressividade aumenta muito. Por isso a Nova Zelandia e a Austrália têm amplitude tributária grande”, frisou. Já quanto à tributação corporativa, Pires reforçou que o Brasil tem uma das alíquotas mais elevadas no mundo. Para possibilitar alguma competitividade, o governo precisa abrir brechas e isentar segmentos empresarias de impostos.
Sugestões – Manoel Pires apresentou algumas indicações necessárias em relação à tributação da renda e patrimônio, para aumento da progressividade: deslocar a tributação da produção para a renda, respeitando a capacidade econômica das famílias brasileiras; reduzir o custo do trabalho a partir do aumento da tributação no IR; reduzir a tributação sobre as empresas, eliminando as distorções do sistema, simplificando e eliminando brechas; tributar ativos financeiros e patrimônio, a exemplo da cobrança de IPVA sobre lanchas e aeronaves, herança, IPTU.
“Hoje a gente tem um conhecimento maior do que tinha no passado. Vejo o governo avançar nessa agenda. Meu entendimento é que com a aprovação dessas medidas tende a ter uma capacidade de arrecadação melhor, uma progressividade tributária mais elevada e mais crescimento econômico. A PEC, se aprovada, está determinando que o governo apresente uma reforma mais completa da tributação da renda e patrimônio no prazo de 180 dias. A gente espera que alguns desses temas sejam adequadamente tratados lá”, finalizou.