A experiência da Colômbia na implementação de uma reforma tributária progressiva abriu o painel “Perspectivas da Tributação Progressiva”, coordenado pelo diretor-adjunto de Estudos Técnicos do Sindifisco Nacional, Marcelo Lettieri, no segundo dia de debates do Fórum Internacional Tributário (Fit) 2023, nesta terça-feira (29/8) em Brasília. O evento é uma promoção da ANFIP, da Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco), do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Sindifisco Nacional), da Federação Nacional dos Auditores e Fiscais de Tributos Municipais (Fenafim) e do Comitê Nacional dos Secretários da Fazenda dos Estados e do DF (Comsefaz).
A vice-ministra da Fazenda da Colômbia, María Fernanda Valdés, apresentou dados sobre as desigualdades do sistema tributário colombiano, cenário muito parecido com o vivenciado no Brasil e nos demais países do América Latina. A Colômbia apresenta uma das maiores concentrações de renda, o que pode ser medido pelo coeficiente de Gini: 0,54, em 2020. O Brasil vem logo em seguida, com coeficiente de 0,48, depois México (0,45) e Chile (0,44).
De acordo com a vice-ministra, a baixa arrecadação do país pode ser explicada, em parte, pela baixa taxação da renda da pessoa física, comparando com outros países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Para reverter o quadro, em 2022, o governo colombiano pôs em prática uma reforma tributária visando à progressividade do sistema. Para isso, isentou rendas inferiores a 10 milhões de pesos (aproximadamente R$ 12 mil) e focou nas pessoas com maior capacidade contributiva. Além disso, estabeleceu como metas a redução dos benefícios fiscais, o aumento da tributação das atividades com maior capacidade contributiva, visando ao financiamento dos gastos sociais, e a expansão das fontes de recursos, ao mesmo tempo em que trabalha pela mitigação das externalidades negativas na saúde e no meio ambiente. Passado um ano, a reforma tributária ampliou a arrecadação em 3,4% do PIB colombiano com base na tributação do 1% mais rico da população.
María Fernanda também destacou a criação da Plataforma de Tributação Latino-americana e do Caribe (PTLAC) durante a Cúpula para Tributação Justa e Sustentável, em Cartagena, para reunir posições tributárias conjuntas do continente, criada numa parceria entre a Colômbia, o Brasil e o Chile, com forte participação da sociedade civil.
Imposto de renda progressivo – Sergio Chaparro Hernandez, integrante do Tax Justice Network, falou sobre perspectivas internacionais do imposto de renda progressivo. Para ele, o IRPF é o instrumento tributário com maior potencial para aumentar os recursos fiscais e reforçar a redistribuição de renda na América Latina e no Caribe. “É necessário abordar as dimensões internacionais e cooperar regionalmente para capitalizar seu potencial”, defendeu.
O palestrante apresentou um panorama internacional e regional do imposto de renda. Destacou que nas últimas três décadas a carga tributária da América Latina aumentou de 15,3%, em 1991, para 22,7%, em 2019, concentrando-se principalmente nos impostos sobre o consumo e sobre a renda do trabalho.
Analisando a realidade do Brasil, o estudioso destacou que o país está muito atrás daqueles com alta renda em termos de arrecadação de IR, inclusive, comparando com países como Uruguai e Peru. Além disso, reforçou o caráter regressivo da tabela do IR que se inicia em um nível muito baixo na escala de renda.
Hernandez também ressaltou ainda a importância da discussão internacional da soberania tributária em contextos de interdependência. Nesse sentido, defendeu um pacto fiscal progressivo baseado em cinco pilares: aumentar receitas, redistribuir, reprecificar, representar adequadamente e reparar.
Por fim, ao abordar o caminho a seguir e as oportunidades atuais, Hernandez reforçou a importância do uso da PTLAC, em conjunto com países da África, para trocar informações sobre a tributação das maiores rendas, bem como descobrir onde estão as riquezas. Para ele, a próxima Assembleia Geral das Nações Unidas será uma importante oportunidade para que os estados decidam se vão avançar em uma Convenção Tributária Internacional.
Compromissos governamentais – O secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Guilherme Mello, encerrou o painel criticando o modelo que vinha sendo adotado no Brasil, estruturado no congelamento de gastos públicos, em especial os voltados ao social, na diminuição dos investimentos públicos e na redução estrutural da base fiscal do Estado.
Em contrapartida, reafirmou o compromisso do governo com a questão tributária e com a retomada do crescimento. Os primeiros passos foram a composição do orçamento dos programas sociais e a construção do novo regime fiscal, capaz de financiar as políticas públicas e sinalizar para a recuperação do resultado primário.
Para o economista, um dos principais desafios a serem enfrentados é a reversão de gastos tributários que foram erodindo a base fiscal, e a cobrança de quem atualmente não paga. “Estamos falando de equidade e de justiça tributária”, afirmou.
Na meta de construir um novo regime fiscal, Guilherme Mello destacou que o governo apostou na divisão da reforma tributária em duas etapas. A primeira, focou no consumo. O secretário admitiu que essa etapa tem menos impacto sobre as desigualdades, embora acredite que o cashback possa se tornar uma importante ferramenta de distribuição de renda. Mas defendeu que as mudanças sobre a tributação do consumo terão impacto positivo na diminuição dos litígios, na competitividade e no crescimento econômico.
A reforma sobre a tributação da renda, segunda etapa da reestruturação fiscal do país, que tem o objetivo de colocar pobre no orçamento e rico no imposto de renda, já está em discussão. Guilherme Mello destacou mudanças no IPVA, na tributação sobre offshores e fundos fechados, focando nos super-ricos.
Finalizando o debate, Marcelo Lettieri apresentou questionamentos feitos pelo público presente no auditório e enviados pela internet.