FIT 2021: Tributar grandes fortunas e heranças é urgente, apontam especialistas

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A necessidade de taxar grandes fortunas e heranças nos países da América Latina fez parte dos debates, desta sexta-feira (22/10), do Fórum Internacional Tributário – FIT 2021, que acontece em São Paulo e conta com transmissão virtual. Glauco Honório, vice-presidente do Sinafresp, foi o coordenador da mesa, que contou com palestras de Sarah Perret, do Centro de Política e Administração Tributária da OCDE; Sergio Martin Páez, do Centro Estratégico Latinoamericano de Geopolítica (CELAG); e de Julia Strada, do Centro de Economia Política Argentina (CEPA).

Sarah Perret, da OCDE, apresentou estudo mostrando que o tema tem atraído muita atenção dos países nos últimos anos, principalmente no período pós-Covid 19, a fim de aumentar a arrecadação de impostos e promover reformas tributárias. “Os governos estão gastando muito, a pandemia levou a uma deterioração dos recursos públicos”, constatou.

Com base nos países da OCDE, ao analisar os prós e contras do imposto sobre riquezas e fortunas, a especialista ressaltou que, dentre os pontos positivos, a tributação reduz diretamente a desigualdade de renda; ajuda a capturar recursos que, de outra forma, não seriam tributados; permite, de forma geral, tributar indivíduos cuja riqueza é alta, mas que conseguem minimizar sua renda; e encoraja o uso mais produtivo de ativos. Entretanto, há também pontos contrários à cobrança do imposto, que são: a tributação, independentemente dos retornos reais, penaliza os detentores de ativos de baixo rendimento e pode criar problemas de liquidez; impacto negativo sobre a poupança e investimentos; migração do contribuinte; e complexidade administrativa.

Também na pesquisa apresentada, foi possível verificar que, apesar dos benefícios que o imposto traz para as economias e o combate às desigualdades, os países da OCDE reduziram a tributação e a progressividade da taxa sobre riquezas, tanto no ganho de capital quanto no capital pessoal. Sarah Perret concluiu que “há espaço para reformas e para aumentar a progressividade e equidade na tributação” e ressaltou que a taxação é um uma oportunidade para reduzir as desigualdades entre os que recebem muito e os que recebem pouco. Para isso, destacou, é preciso que haja planejamento tributário dos governos para melhor aproveitar a tributação sobre riquezas e herança. “A tributação sobre herança e riqueza pode ter papel importante para reduzir as desigualdades e iniquidades dos países, desde que feitas de maneira planejada”, disse.

Sergio Martin Páez, do Centro Estratégico Latinoamericano de Geopolítica – CELAG, questionou quanto poderia se arrecadar em impostos sobre grandes fortunas na América Latina, “uma das áreas mais desiguais do mundo”, conforme classificou. Responder essa questão é que traz a necessidade de se discutir o assunto.  Segundo Páez, tratar da tributação sobre grandes fortunas sempre foi um assunto relevante, porém veio à tona em 2020, sendo tratada em diferentes âmbitos, especialmente em decorrência da Covid-19. “Período que houve queda da produção regional entre 7% e 9% e necessidade de aumento da assistência social”, disse sobre o período, que registrou ainda a massificação do desemprego e o fechamento de micro e pequenas empresas, com consequente aumento acelerado da pobreza e da fome. “Esse cenário de extrema insegurança coloca a necessidade de discutir a implantação da tributação sobre grandes fortunas”, justificou.

Páez apresentou o cenário da América Latina sobre a tributação sobre o patrimônio e, conforme destacou, há uma arrecadação muito baixa na região. “Só Argentina, Uruguai e Colômbia têm tributos sobre o patrimônio no nível federal”, informou. O foco desse tributo são, segundo o pesquisador, adultos com patrimônio superior a USD 1 milhão. “Representa 0,1% dos mais ricos”, argumentou. Na América Latina são 673 pessoas nessa classe e, no Brasil, 259 com patrimônio superior a esse valor.

O pesquisador falou ainda sobre o potencial arrecadatório do tributo sobre grandes fortunas na América Latina, a partir das experiências de Uruguai e Colômbia. No Brasil, tendo como parâmetro as métricas da Colômbia, a arrecadação chegaria a US$ 9 milhões; já com as métricas do Uruguai, a arrecadação chegaria a US$ 18 milhões. Por meio de informações das agências arrecadadoras, Páez frisou que o Brasil possui 149,2 milhões de contribuintes com mais de US$ 1 milhão. Dos multimilionários, Brasil possui 45, de um total de 74 na América Latina, com patrimônio de US$ 127 milhões. “A arrecadação do tributo sobre grandes fortunas poderia se transformar em auxílio de US$ 700 para 215 milhões de pessoas”, enfatizou.

Julia Strada, do Centro de Economia Política Argentina (CEPA), focou sua exposição na progressividade tributária e taxação de grandes fortunas, pegando como referência o período de 2008 a 2019. “O que aconteceu entre a crise de 2008 e a pandemia? Quais avanços e retrocessos antes da pandemia em matéria da progressividade?”, pontuou, lembrando que, após a crise econômica de 2008, que impactou vários países, o enfrentamento à desigualdade de renda passou a ser importante pauta na agenda mundial, como no Fundo Monetário. “Houve uma transformação no sistema tributário ou não?”, questionou. A conclusão é que, antes da pandemia, os países conseguiram avanços na questão da progressividade tributária.

Sobre as políticas tributárias adotadas pelos governos, voltadas à progressividade adotadas, a especialista apresentou os seguintes dados: – América Latina: leve tendência de progressividade, reformas tributárias e métodos heterodoxos de cobrança progressiva; – Europa: não realizou reformas estruturais progressivas e aumentou sua regressividade pela forma como buscou sair da crise de 2008; – Estados Unidos: a pressão tributária aumentou à medida que se recuperou da crise e com Trump diminuiu para níveis mínimos; e – Argentina, Bolívia, Rússia e Espanha tomaram medidas fiscais após a crise Covid-19.

“Uruguai, Brasil e Argentina têm um padrão característico de cobrança tributária, em torno de 38%. A maioria dos impostos, [nesses países] são cobrados sobre o consumo”, avaliou Strada.

O jornalista Fábio Graner, do Valor Econômico, fez um apanhado das informações dos palestrantes e constatou que, no Brasil, ao se comparar a outros países, está defasado na tributação sobre a renda e patrimônio e a consequência disso é a pressão da tributação sobre o consumo. “O Brasil está defasado e precisa avançar nessa questão”, destacou, para poder avançar igualmente no desenvolvimento econômico. Graner acredita que o tema da tributação do patrimônio e renda passa por uma solução política. “Esse debate no Brasil tem sido interditado. Foram feitas propostas na pandemia, mas sequer foram debatidas. Nada avançou. Há anos se fala nessa necessidade de arrecadar mais com aqueles que tem mais, e nada foi feito no Brasil. O desafio é fazer com que o apoio à tributação se transforme em apoio no Congresso. Temos uma classe média que não é rica, mas pensa que é rica, e não apoia a iniciativa. A necessidade precisa se transformar em apoio político para o tema avançar”, ressaltou.

Graner criticou ainda a postura de parlamentares no debate sobre a reforma do Imposto de Renda, que chegou à Câmara, segundo classificou, como “surpreendentemente” progressiva. Porém, o texto foi desfigurado na Câmara e agora está “parada” no Senado Federal. Mesmo os avanços na Câmara foram feitos com muito enfrentamento entre os setores mais abastados da sociedade. “Isso é uma mostra do que pode acontecer com outros projetos que tratem da tributação sobre patrimônio e renda. São dificuldades políticas enormes. Temos um Congresso com representação mais empresarial que popular. Essa é a realidade. O sistema eleitoral acaba gerando essa possibilidade”, lamentou.

A programação do Fórum, que teve início na quarta-feira (20/10), conta com participação de palestrantes de vários países, apresentando sua visão sobre o sistema tributário e apontando os desafios para o enfrentamento da desigualdade de renda, principalmente no pós-Covid 19.

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Foto: Manoelle Duarte / Fórmula Digital