A programação do primeiro dia do FIT 2021, nesta quarta-feira (20/10), recebeu Jorge Atria, do Centro de Estudos em Conflitos Sociais e Coexistência do Chile; Juan Apablaza, da Associação dos Fiscais de Impostos Internos do Chile; e Eloísa Machado, da Fundação Getúlio Vargas, para debater “A importância do Princípio da Equidade na tributação dos países desenvolvidos, sua representação nas Constituições do Brasil e do Chile e a realidade da tributação nessas nações”. Como debatedora, o painel recebeu Élida Graziane Pinto, procuradora do Ministério Público da Justiça do Estado de São Paulo, e como coordenador, Jefferson Nascimento, da Oxfam Brasil.
Jorge Atria apresentou as desigualdades no Chile ainda persistem, já que, nos últimos 50 anos, foi observada a alta concentração de renda em grupos superiores. O país, explicou Atria, é integrante da OCDE e, ainda assim, não houve impactos quanto à aplicação do imposto de transferência. Pelo coeficiente Gini, para mensurar o nível de desigualdade, de maneira geral, muitos países têm coeficiente muito alto, entre 0,5 e 0,6. A desigualdade abaixa quando são cobrados impostos de transferência. No Chile, no entanto, essa cobrança teve pouco impacto entre antes e depois da cobrança.
Atria explicou ainda que foi realizado no Chile um plebiscito para ver se a sociedade tinha ou não interesse em uma nova Constituição. O resultado concluiu que sim, o país teria que ter um novo texto. Em junho deste ano foi eleita a Convenção Constitucional, com 155 constituintes, e agora teve início a discussão temática dos assuntos que vão permear a nova constituição. “A eleição dos constituintes foi considerada uma oportunidade de redistribuir poder”, disse.
O desafio, enumerou Atria, é que a América Latina é a única região do mundo que tem um perfil tributário em que se prevalecem os impostos indiretos sobre os direitos, trazendo dificuldade para a tributação dos mais ricos. “80% das pessoas no chile não pagam IR”, afirmou.
Para Atria, a mudança constitucional não solucionará os persistentes problemas de justiça tributária, mas pode ajudar a fortalecer um marco de compreensão que entregue novas funções do Estado. “Os impostos devem passar a ser entendidos, a partir deste marco, como um instrumento de cooperação que permite concretizar a contribuição de cada pessoa da sociedade e favorecer a criação de bens comuns. Para isso, é necessária a participação de todos os cidadãos, fortalecendo a noção de contribuintes como membros de uma comunidade política e participantes de uma rede de relações que implica contribuições e benefícios”, finalizou.
Juan Apablaza, presidente da Asociación de Fiscalizadores de Impuestos Internos do Chile, em sua palestra, fez uma ampla explanação sobre o sistema tributário chileno e sobre o princípio de equidade. “Nesse princípio de equidade, acreditamos no respeito da capacidade contributiva da pessoa”, disse. A referência aos países desenvolvidos, como Europa, Estados Unidos e Japão também foi usada como lição para melhorar o modelo de tributação do país. “O progresso é baseado na equidade”, avaliou.
Sobre o princípio da capacidade contributiva, destacou duas características de equidade, a vertical e a horizontal, e explicou que o “princípio de equidade também é representado pelo conceito de redistribuição por meio de políticas fiscais”.
Sobre a realidade da tributação no Chile, segundo Juan Apablaza, o sistema apresenta uma série de deficiências, sendo sistema complexo, regressivo, inequitativo e injusto, “que que onera em maior proporção os setores de renda média e baixa da população, e que concede tratamento preferencial a grandes empresários, políticos e pessoas de maior renda, que podem ter acesso a múltiplos benefícios, contratar consultores tributários para minimizar suas contribuições”.
Para tornar o modelo tributário chileno mais equitativo, o especialista apresentou algumas propostas, dentre elas: ferramentas de controle e sanção de despesas rejeitadas; para reduzir a evasão fiscal, é necessário conceder à fiscalização acesso ágil às informações sobre movimentações financeiras dos contribuintes, sem necessidade de autorização prévia de juízes fiscais; simplificação do sistema; aumentar o uso de tecnologia para processamento de informações e de pagamento; e fortalecer o controle de indivíduos com alto patrimônio líquido.
Sobre a Constituição, Eloísa Machado, da FGV, ressaltou que a brasileira nasceu com orientação, valores pré-determinados e positivados de redução das desigualdades regionais, a erradicação da pobreza e da marginalização e a construção de uma sociedade livre, justa e igualitária. “Elas orientam para a superação da pobreza e miséria. Estamos com 33 anos de Constituição e conseguimos perceber que essa orientação conseguiu promover alguns avanços”, disse sobre o Brasil ter uma Constituição voltada para o pluralismo, que tem ações afirmativas. Apesar desses avanços, a Constituição, para Machado, também consolidou um enorme atraso. “A desigualdade persistente no Brasil, ainda que tenhamos uma Constituição que movimente as políticas públicas em prol da igualdade, é fomentada pelas políticas de Estado. Temos dificuldade de enfrentar o próprio Estado agindo na construção de desigualdades”, analisou. Segundo explicou, esse diagnóstico do sistema regressivo parte de um diagnóstico comum com a América Latina. “Este conjunto de medidas faz com que o sistema gere mais desigualdade, que devem ser corrigidas depois por políticas públicas”, disse sobre o ciclo vicioso desses equívocos na concepção do que o Estado deve fazer e de como deve se movimentar.
Na questão tributária, há um agravante, conforme destacou Machado. O texto constitucional traz o termo “sempre que possível” de forma contínua. “Isso enfraquece esses princípios tributários na busca da equidade”, acredita. E ainda deixou uma dica para os chilenos, que prestem atenção na enunciação dos direitos, igualdade, equidade, capacidade contributiva. “Não fizemos bem essa articulação na Constituição de 1988. Temos o dilema de um texto que enuncia direitos e um sistema político que esvazia nosso projeto social constitucional”, enfatizou. Machado criticou ainda o fato de a nossa corte constitucional analisar milhares de casos tributários a partir de perspectiva federativa, e raramente é levada a imaginar a desigualdade criada pelo sistema regressivo. “Os temas da progressividade e da capacidade contribuitiva são levados ao STF, que corrobora com esses princípios, mas é pontual, de forma incapaz de gerar mudanças”, lamentou.
A procuradora do Ministério Público da Justiça do Estado de São Paulo, Élida Graziane Pinto, também fez parte do painel de debates. Ao comparar as mudanças promovidas por Brasil e Chile em seus modelos tributários, a procuradora afirmou: “a sensação que me dá é que estamos no Brasil na contramão do que acontece no Chile, em relação às medidas de enfrentamento as desigualdades”. E acrescentou que “existe no Brasil uma espécie de Assembleia Desconstituinte”, se referindo às mudanças constitucionais que têm retirado direitos e proteção social da população.
Élida Pinto também criticou a falta de acesso aos dados das renúncias fiscais promovidas pela União, estados e municípios. “O sigilo fiscal, até mesmo perante os órgãos de controle, é uma espécie de invisibilização da riqueza do país”. “No Brasil, a gente não só não consegue arrecadar, existe o Refis, a um forte incentivo à sonegação”, lamentou. Segundo a procuradora, esse é um debate estrutural da sociedade brasileira. “O Chile caminha no sentido de enfrentar os seus problemas estruturais, de corrigir o que foi a ditadura. O Chile revisita seu passado ditatorial. O Brasil inviabiliza sua desigualdade escravocrata. O Brasil caminha para ser o Chile da década de 70”, afirmou.
Em sua avaliação, a atual política brasileira é de manutenção de privilégios e perpetuação da desigualdade. “A pandemia chegou e nos colocou novos desafios e as nossas instituições se mostraram que não estão à altura desses desafios. Falhamos miseravelmente no combate à pandemia, temos milhares de mortos, milhares passando fome”, observou.
A programação do FIT continua (acesse aqui), com transmissão virtual para os inscritos e cobertura completa nas redes sociais do FIT 2021 e nos sites das entidades organizadoras ANFIP e Fenafisco.