Especialistas reunidos nesta quinta-feira (21/10) no Fórum Internacional Tributário – FIT 2021 analisaram o problema dos paraísos fiscais, com o objetivo de apresentar propostas de enfrentamento da evasão e elisão fiscal nos países centrais e as possibilidades para a América Latina. O debate foi coordenado pela vice-presidente de Assuntos Fiscais da ANFIP, Eucélia Maria Agrizzi Mergár, e teve como debatedor Guilherme Waltenberg, jornalista do Poder 360, que integra o Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos.
Como palestrante, Andres Knobel, consultor da Tax Justice Network, ao discorrer sobre os paraísos fiscais, citou o recente caso da Pandoras Papers, nome de uma investigação jornalística baseada em um vazamento de documentos confidenciais de escritórios de advocacia especializados na abertura de empresas em países como Panamá, Ilhas Virgens Britânicas e Bahamas, conhecidos paraísos fiscais. A questão, para Knobel, traz ao debate a necessidade de transparência, já que, em paraísos, é muito difícil descobrir quem são os beneficiários efetivos dos recursos lá depositados. “Paraísos fiscais não são apenas problemas de pequenos países. Se os países fossem transparentes, improvável que o mundo veria alguma diferença. O que é paraíso? Eles oferecem segredo, com ausência de troca de informações bancárias, falta de informações e transparência com o beneficiário efetivo, falta de declarações. Falta tudo isso”, justificou.
De acordo com o consultor, falar em paraíso fiscal, ainda que não seja ilegal, é falar, muitas vezes, em corrupção e lavagem de dinheiro. Além disso, citou, recursos tributários, como o imposto de renda, que deviam ser declarados, saem do país e não se sabe quem são os donos dos ativos. “Será que as autoridades têm acesso ao beneficiário efetivo?”, questionou Knobel. Com base em suas pesquisas, verificou-se que 82 países têm leis que exigem alguma informação das transferências de recursos para os paraísos fiscais, mas apenas dois desses países possuem dados abertos. Nos demais países, as regras são variadas e a transparência não existe. Isso demonstra que, “aprovar a lei do beneficiário efetivo não é suficiente para garantir o registo dele de forma eficaz”.
Uma das soluções, apontou Knobel, é ter registros centrais do beneficiário, disponível publicamente, com dados abertos, e começar a utilizar dados bancários para verificar as estratégias off shore. “Após o Pandora Papers, estão solicitando às empresas advocatícias que informem quem são os clientes”, disse.
Dirk Foremny, professor da UB School of Economics (Universidade de Barcelona, Espanha), também participou como palestrante. Ele apresentou o projeto de pesquisa sobre “Paraísos Fiscais, Tributação de Riqueza e Mobilidade”, que analisa o efeito da tributação descentralizada da riqueza sobre a mobilidade e as consequências para a receita tributária e a desigualdade de riqueza.
Para explicar o impacto da migração aos paraísos fiscais, o professor Foremny falou sobre o caso de Madri, que é um destino bastante procurado por pessoas ricas que buscam paraísos fiscais para não pagar impostos ou ter uma baixa tributação, fazendo a população local rica aumentar cerca de 9% ao ano.
Ainda de acordo com o estudo, embora o paraíso fiscal reduza a eficácia do aumento da receita e exacerbe as desigualdades de renda na cidade de Madri, os resultados mostram que a tributação descentralizada da riqueza é viável no curto prazo. “A tributação da riqueza local parece ser viável para aumentar a receita no curto prazo, embora o efeito na base tributária de Madri seja grande, o efeito no restante das regiões é pequeno”, afirmou. Já a longo prazo, a viabilidade da descentralização não é clara. “O aumento da concentração de riqueza pode levar a um aumento da influência política nas regiões, pressionando por alíquotas baixas ou zero nos demais instrumentos fiscais”, pontuou.
Foremny avaliou que intervenções federais podem mitigar alguns desses problemas, mas acredita que a harmonização tributária seja politicamente difícil. “Alíquotas mínimas de impostos, provavelmente, serão politicamente mais viáveis e eficazes. Os esforços para tributar a riqueza devem vir em conjunto com a coordenação política e melhores mecanismos de fiscalização”, concluiu.
Guilherme Waltenberg, jornalista do Poder 360 que integra o Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos, que iniciou o caso Pandora Papers, da qual também participam outros 614 jornalistas, de 149 veículos, em 117 países, falou sobre a importância de informações públicas e transparência nas off shores, a fim de estabelecer as remessas de divisas lícitas das ilícitas. Para o jornalista, isso não e só importante para consultas com fim investigativo, é importante para a justiça social do país, pois são com esses recursos que as políticas sociais são aplicadas.
Prova da necessidade dessa diferenciação é o fato de as off shores serem associadas constantemente à prática de ilícitos. “É interessante quando a gente encontra off shores que as pessoas registraram, e estão legalizadas, e elas ficam incomodadas de falar sobre o tema”, relatou sobre o nome dessas pessoas aparecer nas investigações. Por isso a importância de aumentar as barreiras para as off shores ilícitas. Waltenberg apontou três dados relevantes que justificam essa diferenciação: o cálculo aponta para a sonegação de R$ 417 bilhões, dados do IBPT; o cálculo da elisão do Brasil fica em US$ 15 bilhões, dados da Tax Justice Network; existem € 37 bilhões, de brasileiros, declarados legalmente no exterior, dados da Receita Federal do Brasil. Diante dos dados, diferenciar as off shores, com real controle sobre as ilícitas, pode garantir que parte dos recursos de sonegação e evasão reingressem no Brasil.
O Fórum continua nesta sexta-feira (22/10), a partir das 9 horas. O evento é transmitido em plataforma virtual (inscreva-se aqui para assistir) e acontece presencialmente em São Paulo, com público reduzido. A programação completa está disponível no site do evento (forumfit.org.br).