Com o início da sessão legislativa em 2021, a proposta de reforma no sistema tributário brasileiro voltou a ter destaque na pauta deliberativa. Para ampliar o debate que a ANFIP tem feito nos últimos anos, a Associação realizou nesta quarta-feira (10/2) evento virtual com o tema “Reforma Tributária: Perspectivas”.
O assunto foi debatido pelo ex-ministro e ex-governador do Ceará Ciro Gomes; pelo senador Major Olímpio (PSL/SP), sub-relator e revisor da Comissão Mista Temporária da Reforma Tributária; e pelo professor do Instituto de Economia da Unicamp e coordenador da Reforma Tributária Solidária, Eduardo Fagnani. Pela ANFIP, participaram o presidente Décio Bruno Lopes, o vice-presidente Executivo, Márcio Humberto Gheller, e o vice-presidente de Estudos e Assuntos Tributários, Cesar Roxo Machado.
Décio Lopes, ao abrir as exposições, destacou que o momento é oportuno para discutir a Reforma Tributária Solidária e a reforma do sistema tributário brasileiro. “Precisamos transformar a regressividade [do sistema] em um pouco mais de progressividade, de forma a reduzir a tributação sobre o consumo e tributar mais patrimônio, renda, grandes fortunas e lucros e dividendos. Os mais ricos, aqueles que têm melhor capacidade contributiva, devem contribuir mais, para que o Estado brasileiro seja menos desigual”, observou.
Como sub-relator e revisor da Comissão Mista de avaliação das PEC’s 45/2019 e 110/2019, que tratam da Reforma Tributária e tramitam no Congresso Nacional, o senador Major Olímpio avaliou que as propostas de reforma “arrebentam, literalmente, o setor de serviços no Brasil”. “Fazer uma reforma não é simplesmente achar que vai somar tributos num único documento fiscal. Se nós não queremos aumentar a carga tributária, vai ser muito difícil fazer emendas ou adaptações nesse texto, haja vista a penalização com os setores de serviço”, disse.
Além disso, segundo o senador, tanto a PEC 110 quanto a PEC 45 carecem de profundidade. “A PEC 110 é um avanço em relação à PEC 45, mas está longe de ser uma panaceia, de ser uma solução e, mais, dentro de se construir uma harmonia para votação”, afirmou. Para ele, o Projeto de Lei 3887/2020, encaminhado pelo governo federal para alterar a legislação tributária federal, “é pífio”. “Eles querem enganar todos os bobinhos na Câmara e no Senado. É só um rearranjo no tabuleiro, mas as peças são as mesmas”, critica.
Já Márcio Gheller, ao se pronunciar, defendeu o debate sobre o sistema tributário e pontuou alguns questionamentos acerca do tema, sobretudo em relação à autonomia da Administração Tributária brasileira. “Acreditamos que este seja o caminho para uma nação mais justa, mais democrática e menos desigual”, completou.
O problema da regressividade
Ciro Gomes e o professor Eduardo Fagnani foram enfáticos ao defender uma reforma tributária que enfrente a regressividade do modelo de impostos do país. Eles destacaram que propostas que não enfrentem esse problema, como é o caso das PECs 110/20 e da 45/20, “nem podem ser chamadas de reforma tributária”.
“O pobre paga muito mais tributo, proporcionalmente, do que o rico. As duas propostas que estão circulando, nesse sentido, não merecem sequer o nome de reforma tributária. Não se trata de reforma tributária aquilo que está em deliberação hoje no Congresso Nacional, 110 e 45, pouco importa a boa intenção dos técnicos que elaboraram a base conceitual. Essa proposta tenta uma ‘modernização’ do sistema de tributação indireta no Brasil”, pontuou Ciro Gomes.
O ex-ministro também falou sobre sua preocupação com a atual crise econômica e sanitária do Brasil. “A minha angústia é a aparente absoluta alienação da maioria dos congressistas brasileiros da vida do nosso povo. É uma coisa que está me assustando como velho democrático de luta no Brasil ver como é que 300 deputados se comportam de forma tão alienada da vida do povo brasileiro e tão distante da tragédia que está acontecendo, socioeconômica, sob o ponto de vista de finanças públicas e sanitária, no nosso país”, afirmou.
No mesmo sentido, o professor Eduardo Fagnani ressaltou que é preciso enfrentar a questão central: o sistema tributário brasileiro. “Eu não vejo nem a PEC 45 nem a PEC 110, caminhar nesse sentido. A desigualdade tem diversas causas e uma delas, certamente, é a tributação. Nosso sistema tributário é extremamente regressivo. Não é verdade que a carga tributária no Brasil seja alta. O fato é que ela é alta sobre as camadas mais pobres e de renda média. Os tributos chegam a 40% sobre a renda. Somos vice-campeões mundiais sobre a tributação sobre o consumo e lanternas sobre a tributação sobre renda e patrimônio. Uma reforma tributária que não enfrenta isso, não é uma reforma tributária. Esse é o ponto central”, explicou.
Fagnani lembrou que existe uma quarta proposta alternativa, em tramitação no Congresso Nacional, que é a Emenda Substitutiva Global 178/2019 – Reforma Tributária Solidária, que enfrenta todas essas questões. “O que vai gerar o crescimento é as pessoas poderem consumir. Se elas tiverem mais esses 40%, elas vão gastar consumindo”, ressaltou.
Cesar Roxo Machado, em sua exposição, aproveitou para falar da proposta de Reforma Tributária Solidária, que é resultado de um trabalho conjunto realizado pela ANFIP e Fenafisco, coordenado pelo professor Fagnani. O vice-presidente citou os livros “Reforma Tributária Solidária: diagnósticos e premissas” e “Reforma Tributária Necessária, Justiça Fiscal é possível: subsídios para o debate democrático sobre um novo desenho da tributação brasileira”, e destacou como mudanças essenciais para o desenvolvimento do país a redução da tributação sobre o consumo e a maior progressividade na tributação sobre renda e patrimônio.
“Não existe uma sociedade sem tributos, porque o tributo é o preço que se paga por uma sociedade civilizada. A responsabilidade por garantir a arrecadação de tributos nos termos estabelecidos em lei e, consequentemente, a responsabilidade pela manutenção das políticas públicas, é das administrações tributárias, tanto da União quanto dos estados, do Distrito Federal e dos municípios. Por esta razão, nós entendemos que seja qual for a reforma tributária que venha a ser aprovada, é fundamental que nela seja garantida às administrações tributárias a autonomia necessária para agirem de acordo com o que estabelece a Constituição e as leis, fiscalizando qualquer contribuinte, seja ele quem for, e combatendo os crimes de sonegação, de contrabando e descaminho”.
Ao longo da live, que já conta com mais de 5 mil visualizações no Youtube e mais de 12 mil no Facebook, os participantes responderam à diversas perguntas, como a de Mário Sergio Telles, da Confederação Nacional da Industria (CNI); e de Rodrigo Spada, presidente da Federação Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais (Febrafite); além dos internautas.
Assista abaixo à íntegra do vídeo: