Por Valdeci Oliveira*
Além da preocupante carência de testes para detectar o covid-19, que com a disponibilização suficiente de leitos, o isolamento social e as restrições de movimentação das pessoas formam o que especialistas do mundo inteiro asseguram ser a receita ideal para barrar o avanço da pandemia, o Brasil também sofre com outra carência: dinheiro. Levando-se em conta que praticamente quase a metade de tudo que o pais arrecada em impostos vai diretamente para o sistema financeiro em forma de pagamento de juros e amortizações da sua dívida pública, algo que supera R$ 1 trilhão, valor dez vezes maior de tudo o que é destinado para a saúde, sobra muito pouco para fazer frente a outras áreas. E, com o novo coronavírus, essa chaga, da qual se alimenta o setor mais lucrativo da economia, ficou ainda mais exposta.
Sendo o Brasil uma dos países mais desiguais do planeta e o de maior concentração de renda entre as grandes democracias ocidentais, muitos economistas, principalmente os de escolas liberais, têm receitado como única solução para o problema um maior endividamento do país, com emissão de moeda e de títulos públicos como forma de fazer caixa e bancar as ações necessárias para injetar recursos na economia.
Porém, há uma outra corrente do pensamento econômico que aos poucos está furando a bolha do senso comum e propondo uma medida até que simples, socialmente justa e que pode ser imediatamente aplicada: a taxação das grandes fortunas. Antes que os detratores dessa ideia afirmem se tratar de uma opção “comunista”, é preciso que se afirme que, nos países ditos de primeiro mundo (França, Noruega, Suíça, entre outros exemplos), essa prática é até natural, pois a lógica diz que quanto mais se ganha – ou se tem – mais se deve contribuir para o bem coletivo.
Segundo estudo feito pela Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital, a partir de dados oficiais e cruzamento de informações prestadas pelos contribuintes no imposto de renda, o Brasil, ao mesmo tempo que possui milhões de pessoas morando em favelas, em periferias sem esgoto ou água potável e cujo salário médio dos trabalhadores com carteira assinada ultrapassa pouco os R$ 2 mil, também possui 206 bilionários, cujas fortunas somadas superam R$ 1,2 trilhão.
O problema aqui não é ser bilionário, mas pagar de forma proporcional muito menos impostos do que o cobrado daqueles que são considerados classe média e pobres. Pelos cálculos da Fenafisco, se aplicássemos míseros 1% sobre esse fabuloso patrimônio, o Brasil arrecadaria R$ 80 bilhões. E cobrando o mesmo sobre a renda desse diminuto extrato social, teríamos mais R$ 36 bi. E mesmo assim esse grupo continuaria bilionário. O problema aqui reside no fato desse grupo deter um poder político inimaginável, o que inibe o enfrentamento à “categoria”, e também pela ameaça concreta da transferência do dinheiro gerado aqui para outros países, os conhecidos paraísos fiscais.
Mas como disse certa vez o maestro Tom Jobim, o Brasil não é para amadores. Atualmente, enquanto milhares de famílias choram seus mortos em funerais com caixão fechado e outros milhões estão temerosos se conseguirão ou não um leito de UTI caso venham precisar, alguns grandes grupos econômicos aproveitaram a paralisação de suas atividades, que sequer completou um mês, e demitiram – ou estão ameaçando demitir – milhares de pais e mães de família num momento de fragilidade. E não estou aqui falando da pequena loja de armarinhos, do comércio de bairro ou dos pequenos e médios agricultores que precisam de uma política especial de crédito que compense a perda de receita.
A pergunta que temos de fazer é quem irá financiar todas essas medidas necessárias. Ao lado da Fenafisco, a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip) e da Plataforma Política Social têm sugerido, entre outros pontos, numa reforma tributária, a cobrança do imposto progressivo (quem ganha mais paga mais) e que o estado brasileiro busque tributar mais a renda e o patrimônio do que o consumo das pessoas. Há quatro projetos em tramitação o Congresso Nacional prevendo a taxação das grandes fortunas. O mais antigo é o de senador Paulo Paim (PT), que data de 2015.
Junto com a revogação da Emenda Constitucional 95, que já retirou R$ 22 bilhões do Sistema Único de Saúde, esse é um debate urgentíssimo. É crucial que o Brasil, além de se tornar um país mais justo, tenha os recursos necessários para, depois de salvar as vidas das pessoas, recuperar a sua economia. E recuperar a economia sem que isso redunde em jogar todo o peso nos ombros dos trabalhadores, como tem sido a tônica ultimamente. Se não for agora, dificilmente essa medida justa, legítima e necessária sairá do papel tão cedo.
(*) Valdeci Oliveira , que escreve sempre as sextas-feiras, é deputado estadual pelo PT e foi vereador, deputado federal e prefeito de Santa Maria. Também é Coordenador da Frente Parlamentar em Defesa da Duplicação da RSC-287.
Fonte: Blog do Claudemir Pereira – RS.