Há duas propostas de emenda à Constituição (PEC) de reforma tributária em andamento no Congresso Nacional. Na Câmara, a PEC 45/2019, preparada pelo economista Bernard Appy e apresentada pelo deputado Baleia Rossi (MDB-SP). No Senado, tramita a PEC 110/2019, que tem como base o relatório do ex-deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR). Ambas são semelhantes, mas a da Câmara – que tramita em comissão especial – anda mais rápido. “Não afirmaria que será votada este ano, mas tendo a crer que a PEC 45 vai ser votada mais rápido e com mais debate do que a do Senado”, diz o deputado federal Enio Verri (PT-PR).
Deputados de oposição demonstram otimismo em relação a algo improvável nos último anos: que uma proposta de reforma do sistema tributário brasileiro possa resultar em diálogo mais amplo dentro do Congresso, especialmente na Câmara, e, consequentemente, produza uma reforma que introduza no país um sistema mais justo do que o obsoleto, complexo e regressivo hoje em vigor. É o caso do próprio Verri e do deputado federal Marcelo Freixo (Psol-RJ), ambos membros da comissão especial que analisa a PEC 45.
Segundo Enio Verri, o presidente da comissão da reforma tributária na Câmara, deputado Hildo Rocha (MDB-MA), muito experiente na questão, acena para a possibilidade de ampliar a proposta. “Há clima para avançar. Não sabemos se vai ser uma grande mudança tributária no país, que está muito atrasado, ou se vai ser um pontapé inicial. Mas existe margem para a construção de um projeto comum”, aponta.
Em audiência pública na última terça-feira (17), com a presença de representantes de entidades como Confederação Nacional da Indústria (CNI) e Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), “houve ampla concordância de que é o momento de reduzir a tributação sobre o consumo e aumentar sobre a renda”, conta o petista. Esse seria o caminho para que o sistema de impostos no Brasil se aproximasse de um conceito de progressividade, no qual quem tem mais, paga mais.
“Acho que é possível ter acordo na Casa por algum nível de progressividade nessa matéria. Certamente não será o ideal para nós. Mas tem campo para negociação, afirma Freixo (leia entrevista aqui). “A proposta do texto da Câmara não traz nenhuma linha, no texto original, sobre a questão da progressividade. A gente teria que inserir. Mas eu acho que tem ambiente para isso”, acrescenta.
Os deputados consideram que o Centrão é fundamental nas negociações por um avanço rumo a um sistema mais justo, progressivo. “O Centrão é determinante”, diz Verri. “Acho que não há uma obstrução a isso (negociações sobre progressividade do sistema) por parte do Centrão. Tem que conversar”, afirma Freixo.
O vice-presidente de Estudos e Assuntos Tributários da Associação dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil (ANFIP-), Cesar Roxo Machado, avalia que as propostas que tramitam na Câmara e no Senado têm o aspecto positivo de simplificar o sistema tributário brasileiro, com um único tributo e uma única legislação.
A PEC da Câmara, também conhecida como PEC Baleia Rossi (de Bernard Appy), cria o Imposto sobre Operações com Bens e Serviços (IBS), que substituiria três tributos federais (IPI, PIS e Cofins), o ICMS (estadual) e o ISS (municipal), com previsão de uma transição de dez anos. A PEC 110, do Senado, igualmente, introduz o IBS, mas acaba com IPI, IOF, PIS/Pasep, Cofins, Salário-Educação, Cide-Combustíveis, ICMS e ISS. Haveria isenção para medicamentos e alimentos.
“Conversei com Bernard Appy, e ele coloca que o papel dele era apresentar esse projeto, mas sua reflexão é otimista, no sentido de ampliar a PEC, incorporando justiça tributária”, observa Verri.
Se as propostas simplificam o sistema, beneficiando, por exemplo, pequenas empresas, que hoje penam para vencer a pesada complexidade e a burocracia atual, por outro lado não atacam o grande problema do nosso sistema tributário, que é a regressividade, destaca Machado. “Se não atacar isso, o resto é perfumaria. Para a empresa, melhoraria, mas a população quer saber disso? Ela quer comprar produtos mais baratos.”
Diga-se que, para a empresa, também é interessante ter um produto mais barato, o que lhe permitiria maior competitividade com as estrangeiras. Na opinião de Cesar Machado, vende-se uma falsa ideia de que a simplificação resolve todos os problemas. Outra ideia vendida no mercado é de que a carga tributária no Brasil, que gira em torno de 32% do PIB, é uma das maiores do mundo.
“Ela não é baixa, mas não é uma das maiores do mundo. É menor do que a média dos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).” A carga tributária dos Estados Unidos é de cerca de 26% do PIB. “É bom baixar a carga tributária, mas antes disso tem que aumentar o PIB. Se hoje já não tem dinheiro para a Previdência e educação, se baixar a carga tributária com o atual PIB, não vai ter dinheiro nem para pagar pessoal.”
E a simplificação do sistema, pura e simplesmente, apesar de ser positiva para pequenas empresas, é insuficiente também para economistas como Laura Carvalho. “A proposta (da Câmara dos Deputados) não resolve o problema principal da tributação brasileira, que é a regressividade, o fato de que quem paga mais são os mais pobres, e não os mais ricos”, disse Laura em entrevista a Juca Kfouri no mês passado.
Para Machado, a economia avançará não com a redução da carga tributária, mas diminuindo a tributação sobre consumo, aumentando sobre o patrimônio e a renda. “Com essa recomposição, o Estado vai buscar receitas em outras bases, não no consumo.”
O dirigente da Anfip acredita que o imposto sobre grandes fortunas é importante, “mas não resolve”. Soluções eficazes seriam a progressividade no Imposto de Renda, com mais alíquotas, e tributação sobre patrimônio. E taxar lucros e dividendos, que não são tributados no país. “Isso só acontece no Brasil e na Estônia. Em qualquer país civilizado isso é tributado.”
A Anfip, junto com a Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco), propõe aumentar o número de alíquotas do Imposto de Renda Pessoa Física. Hoje, são quatro faixas: de R$ 1.903,99 até R$ 2.826,65 (7,5%), de R$ 2.826,66 até R$ 3.751,05 (15%), de R$ 3.751,06 até 4.664,68 (22,5%) e acima de R$ 4.664,68 (27,5%).
Pela proposta de Fenafisco e Anfip, as alíquotas seriam as seguintes:
Até 4 salários mínimos, isenção;
mais de 4 a 7 salários mínimos, alíquota de 7,5%;
mais de 7 a 10 salários mínimos, 15%;
mais de dez a quinze salários mínimos, 22,5%;
mais de 15 a 40 salários mínimos, 27,5%;
mais de 40 a 60 salários mínimos, 35%
mais de 60 salários mínimos, 40%.
“Pelos nossos cálculos, essa proposta daria um incremento de 160 bilhões de reais por ano”, destaca Machado. “Num país com pouca desigualdade, não são necessárias muitas alíquotas, mas é preciso haver isso num país com muita desigualdade como o Brasil. Não há justiça tributária sem isso”, dizem as entidades.
Fonte: SUL 21- RS