Cesar Roxo Machado
Vice-presidente de Estudos e Assuntos Tributários da ANFIP
O combate à propagação do coronavírus (Covid-19) compete a toda a sociedade e ninguém em pleno uso de suas capacidades mentais tem o direito de eximir-se dessa responsabilidade.
O Estado está fazendo a sua parte. A União, os estados, o Distrito Federal e os municípios têm cumprido seu dever informando e orientando a população, controlando a circulação de pessoas e de mercadorias, determinando o fechamento de fronteiras, do comércio em geral e, claro, coordenando o atendimento médico em hospitais públicos e privados.
Infelizmente, essas medidas restritivas estão causando uma grave crise econômica. Afinal, muitos trabalhadores não podem trabalhar, fábricas não podem produzir e o comércio não pode vender. Consequentemente, o poder aquisitivo das pessoas está sendo, paulatinamente, reduzido e os efeitos dessa redução são mais sentidos pelas classes sociais de baixa renda. Com menos dinheiro em circulação, a economia desacelerou e tende a desacelerar muito mais nos próximos meses. As projeções mais otimistas do Ministério da Economia apontam um crescimento próximo de zero para
o PIB de 2020 e cresce o número de analistas que não descartam uma profunda recessão no país e no mundo.
Estamos vivenciando um triste momento histórico, semelhante àqueles que constam em livros, tais como a crise da bolsa de valores de Nova Iorque, em 1929, a Peste Negra, durante a Idade Média, ou a Gripe Espanhola, no período de 1918 até 1920. Estamos vivenciando um verdadeiro caos econômico-social.
E cabe ao Estado coordenar o combate a essa pandemia e implementar ações para minimizar seus efeitos na economia. O governo federal anunciou um pacote de medidas, injetando R$ 169,6 bilhões na economia. Esse pacote, contudo, irá aumentar o déficit fiscal federal, de 2020, até então, previsto em R$ 124 bilhões, para cerca de R$ 200 bilhões. Por sua vez, os governos estaduais e municipais também estão adotando medidas emergenciais extraordinárias para combater essa pandemia, o que, também, afeta seus orçamentos, muitos dos quais já vinham fechando com déficit.
Impõe-se, assim, a necessidade de adoção de medidas urgentes para compensar os gastos extraordinários, a redução de receitas.
Pensando nisso, a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil – ANFIP, juntamente com a Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital – FENAFISCO, com o Instituto de Justiça Fiscal – IJF e com Auditores Fiscais pela Democracia – AFD, propuseram no dia 23 de março, por meio de um manifesto, diversas alterações na legislação tributária com o intuito de aumentar a arrecadação corrigindo antigas distorções, tributando mais quem ganha mais e, principalmente, tributando o que hoje não é tributado (lucros, dividendos e grandes fortunas). Importante observar que apenas Brasil e Estônia não tributam lucros e dividendos. No mesmo manifesto, foi proposta a criação do Fundo Nacional de Emergência – FNE para atender as demandas dos estados, do Distrito Federal e dos municípios voltadas ao enfrentamento dessa crise.
Dentre as propostas, destacam-se:
a) a criação de uma contribuição social sobre altas rendas das pessoas físicas – CSPF, de 20%, com incidência sobre valores de qualquer natureza que ultrapassem R$ 80.000,00/mês. Essa contribuição, que incidiria sobre apenas 0,7% dos declarantes, incrementaria a arrecadação em R$ 72
bilhões/ano;
b) a criação, com vigência temporária, de uma alíquota adicional de 30% na Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL para instituições financeiras e o aumento da CSLL para empresas do setor extrativo mineral e setores com alta lucratividade e baixo nível de empregos. Essas propostas
incrementariam a arrecadação em R$ 40 bilhões/ano;
c) a revogação da isenção do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física – IRPF sobre lucros e dividendos e modificação da tabela de alíquotas. Propõe-se o aumento da faixa de isenção de R$ 1.903,98 para R$ 4.000,00 (38% dos declarantes) e a criação de três alíquotas: 35% para rendimentos superiores a 60 salários mínimos; 40% para rendimentos superiores a 80 salários mínimos; e 60% para rendimentos superiores a 300 salários mínimos (0,09% dos declarantes). Essas propostas incrementariam a arrecadação em R$ 120 bilhões/ano;
d) a criação do Imposto sobre Grandes Fortunas – IGF, com alíquotas de 1%, 2% e 3% sobre o patrimônio conhecido que exceder, respectivamente, R$ 20 milhões, R$ 50 milhões e R$ 100 milhões. Essa proposta incrementaria a arrecadação em R$ 40 bilhões/ano.
A soma das receitas decorrentes dessas propostas totaliza R$ 272 bilhões. Parte delas, no valor de R$ 100 bilhões, propomos que sejam destinadas ao FNE.
Rogamos para que o governo federal e o Parlamento avaliem bem essas propostas; elas fundamentam-se em estudos que nossas entidades vêm realizando há três anos sobre o sistema tributário brasileiro. Sabemos que não são fáceis de serem implementadas, pois propõem aumentar a tributação dos mais ricos e isso nunca foi fácil de ser realizado em nenhum país do mundo. Evidentemente, é mais fácil cobrar a conta da sociedade em geral, incluídos aí, os servidores públicos. Não significa dizer que eles não devam dar sua parcela. Certamente, num momento como esse, toda a
sociedade deve ser solidária e ajudar a financiar o combate a essa pandemia e à crise econômica. Todavia, esse financiamento deve levar em conta a capacidade contributiva de cada um.
Estamos esperançosos de que o Estado cumpra seus objetivos constitucionais de construir uma sociedade livre, justa e solidária, de garantir o desenvolvimento nacional, de erradicar a pobreza e a
marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais, bem como promover o bem de todos.
Confira: Artigo Estadão