Uma contribuição para a avaliação das inconsistências do modelo de projeção atuarial do governo e dos impactos de exclusão sociais da PEC 06/2019
Denise Gentil*
A projeção atuarial apresentada pelo governo na PLDO de 2020, utilizada como base para justificar a necessidade de reforma da previdência apresenta muitos problemas. Os mais impactantes são a ausência de memória de cálculo, ou seja, do conjunto completo de planilhas que implementam o modelo. Constata-se ainda a disponibilidade apenas parcial dos parâmetros usados nas simulações do governo presentes na PLDO/2020. E, finalmente, o mais importante, é a constatação de que o modelo de projeção, como disponibilizado pelo governo, não pode ser replicado por auditores independentes.
Os problemas não param por aí. O modelo estima uma taxa de crescimento do PIB que é acentuadamente reduzida ao longo das várias décadas projetadas, sem que se apresente uma justificativa para este cenário. A taxa de crescimento mais elevada do PIB é de 2,74% em 2023 e passa a entrar em declínio progressivo até 2060, quando atinge o valor mínimo de 0,75%. Essa hipótese torna evidente que o cenário construído pelo governo para a economia brasileira é extremamente pessimista, além projetar um país impenetrável por políticas de desenvolvimento econômico, no qual, não só a previdência pública é artificialmente inviabilizada, mas própria a economia como um todo.
Ao mesmo tempo que deprime o PIB, a projeção atuarial da PLDO de 2020 infla o reajuste dos benefícios no piso previdenciário. Nos primeiros anos projetados o reajuste é feito pela inflação. A partir de 2023 a regra é alterada para uma política de reajuste do salário mínimo com ganhos reais (inflação do ano anterior somado ao crescimento do PIB de dois anos antes). Desta forma, ao mesmo tempo em que projeta um crescimento econômico mínimo, o governo estima reajustes de benefícios para o futuro cuja regra não pratica hoje, mas que se torna útil apenas para afetar o crescimento exagerado da relação despesa/PIB.
Em relação ao de impacto social, os trabalhadores que hoje se aposentam por idade só conseguem contribuir, em média, com 5,1 parcelas por ano, em função do elevado desemprego, informalidade e baixos salários. Assim, ao elevar tal tempo de contribuição para 20 anos (240 parcelas de contribuição), o governo obriga os trabalhadores a continuarem no mercado, em média, por mais 11,8 anos para alcançar os 5 anos adicionais de contribuição exigidos pela PEC (60 parcelas de contribuição). Homens que completam 65 anos de idade tendo 15 anos de contribuição, com a reforma, terão que continuar trabalhando até alcançar, em média, a idade de 76,8 anos. Ou seja, muitos dos que conseguem se aposentar pela regra atual não mais conseguirão o benefício da aposentadoria. Os dados da simulação revelaram também que, dos homens que se aposentam por idade em 2016, 56,6% não teriam conseguido se aposentar com as regras da PEC 6/2019 (por insuficiência do tempo de contribuição), enquanto que, para as mulheres, o percentual alcança 98,69%.
A mesma leitura é aplicada para os aposentados rurais e professores, em que os percentuais de exclusão sobem com as regras da PEC são de 56,60% (homens), 98,45% (mulheres) no caso dos rurais e de 90,44% (homens) e 97,96% (mulheres) para os professores, caso a PEC estivesse em vigor em 2016.
Para as regiões Norte e Nordeste, que possuem expectativa de vida para o homem de 69,43 anos e de 69,77 anos para as mulheres tem-se um total desequilíbrio entre a reforma proposta e a realidade de vida destes trabalhadores.
Para o caso das mulheres, o substitutivo do relator, Deputado Samuel Moreira, manteve a elevação da idade mínima de aposentadoria para 62 anos, porém, reduziu o tempo de contribuição, revertendo para os mesmos 15 anos da regra atual. Mesmo assim, ainda se observa que as mulheres serão mais atingidas que os homens, visto que para as mulheres que se aposentam por idade na regra atual, a proporção de aposentadorias postergadas é de 74,82%.
(*) Doutora em Economia. É professora do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Pesquisadora na área de macroeconomia, com concentração em política fiscal, seguridade social e desenvolvimento econômico.