Abuso de autoridade e fiscalização não se combinam (Crésio Pereira de Freitas)

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Crésio Pereira de Freitas – Auditor Fiscal da Receita Federal do Brasil e vice-presidente de Assuntos da Seguridade Social da ANFIP 

Viceja, no Brasil de hoje, um campo fértil para o abuso de autoridade perpetrado contra os servidores públicos, notadamente, os Auditores Fiscais. Foi aproveitando-se deste campo que, recentemente, foi decretada a prisão de uma Auditora Fiscal do Estado do Rio Grande do Norte. O desempenho laboral da auditora não agradou a alguns.

Em 2019, dois auditores da Receita Federal foram afastados de suas funções por ministro do Supremo Tribunal Federal.  Estavam, os auditores, apurando informações fiscais relacionadas a 133 contribuintes, dentre os quais, outro ministro do STF. Este trabalho, atividade corrente na administração tributária, não agradou a alguns. Este inquérito ainda não está concluso. Os casos são abundantes e as narrativas são similares. Geralmente, os “ofendidos” foram objeto de fiscalização onde foram constatados indícios de crimes e/ou irregularidades. Estes indícios são relatados às autoridades competentes, na maior parte das vezes, o Ministério Público.

A parte mais sensível do corpo humano é o bolso. Esta frase de autoria do renomado economista e político brasileiro Antônio Delfim Netto define, precisamente, um dos principais campos de atuação do Auditor. Cabe ao Auditor, no desempenho de seu trabalho, prover o Estado de recursos para o cumprimento dos desideratos constitucionais. Isto mexe no bolso. Isto ofende. E é por isso, que os auditores fiscais, bem como, a instituição que os abrigam, necessitam de uma melhor proteção legal e institucional para o desempenho de suas funções. Destas, sobressai a fiscalização, assegurada pela Constituição Federal, não podendo pessoas físicas ou jurídicas criar mecanismos para dificultar a sua realização.

O abuso de autoridade constitui-se em um mecanismo de dificuldade para a realização da fiscalização. Ninguém está acima da lei. Ninguém está acima da Constituição. Mas, se há por parte dos “ofendidos” uma discordância acerca do resultado da fiscalização, não se preocupem, há uma salvaguarda constitucional. O art. 5°, LIV da Constituição Federal dispõe que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.

Mas, o que pode ser feito para mitigar e/ou coibir o abuso de autoridade contra os Auditores Fiscais? De início, acreditamos que é necessário conceder às entidades que os abrigam Autonomia. Estas entidades desempenham atividades típicas de Estado e precisam que a Autonomia seja um de seus atributos.

A Proposta de Emenda Constitucional n° 186/2007, de autoria do deputado Décio Lima (PT-SC), propõe acrescentar, no art. 37 da Constituição, que trata da Administração Pública, os §§ 13 e 14. O parágrafo 14 do aludido dispositivo “assegura às administrações tributárias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios autonomia administrativa, financeira e funcional e as iniciativas de suas propostas orçamentárias dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias”. Mas, não é só isso. O parágrafo 13 dispõe que “Lei complementar estabelecerá as normas gerais aplicáveis à Administração Tributária da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dispondo inclusive sobre direitos, deveres, garantias e prerrogativas dos cargos de sua carreira específica, mencionada no inciso XXII deste Artigo”. A tranquilidade e segurança nos desenvolvimentos dos trabalhos de auditoria decorrerão desta PEC e da instituição da Lei Complementar. Urge que tal proposta seja votada e aprovada.

Acreditamos, também, que a segurança para a realização dos trabalhos de auditoria advirá de uma necessária consonância das disposições previstas nos parágrafos 13 e 14 da PEC 186/2007 com as proposições da PEC 32/2020 (Reforma Administrativa), objeto de discussão sobre questionáveis alterações nas disposições constitucionais relativas a servidores, empregados públicos e organização administrativa.

Não se faz um Estado forte com instituições típicas de Estado fracas e dependentes, tendo servidores públicos inseguros e desmotivados, temerosos de prestarem serviços públicos de qualidade.  Nada de abuso de autoridade.