A Previdência Social e a economia dos municípios

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O debate sobre o sistema previdenciário brasileiro, mesmo tendo despertado a atenção de toda a Nação, devido à importância do tema, ainda assim, deixou de fora aspectos reveladores da magnitude de uma estrutura que precisa ser cada vez mais aperfeiçoada, em benefício de toda a sociedade brasileira.

Entre esses aspectos desconhecidos há um que se mostrou extremamente relevante, após extensa pesquisa que tive a oportunidade de ser autor, com a coautoria dos brilhantes auditores da Receita Federal do Brasil, Airton Nagel Zanghelini, Décio Bruno Lopes, Marinalva Azevedo dos Santos Braghini, Moacir Mondardo Jr, Vanderley José Maçaneiro e Wanderson Dias Ferreira, A Previdência Social e a Economia dos Municípios (Anfip/Fundação Anfip, 2024), com base nos dados de 2023: em 4.103 dos 5.570 municípios brasileiros avaliados (73,7%), o volume de pagamento de benefícios previdenciários efetuados pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) supera o Fundo de Participação dos Municípios (FPM).

Ao contrário do que muitos poderiam imaginar, o maior volume de pagamento de benefícios previdenciários em relação ao FPM não é um fenômeno estritamente nordestino. Os percentuais, também, são expressivos na região Sudeste. No Rio de Janeiro, em 92 dos 92 municípios os benefícios previdenciários superam o FPM, o que representa 100,0%; no Espírito Santo isto se verifica em 78 dos 78 municípios (100,0%); em São Paulo em 556 dos 645 municípios (83,2%), e em Minas Gerais em 585 dos 853 municípios (68,6%).

Na região Sul o maior percentual está em Santa Catarina, (89,1%), 263 do total de 295 municípios, no Rio Grande do Sul, 419 dos 497 municípios, portanto, 84,3%, e, finalmente, no Paraná, do total de 399 municípios, 319 convivem com essa realidade, ou seja, 79,9%.

No Nordeste o recorde fica com o Ceará, onde em 174, (94,6%) dos 184 municípios o pagamento de benefícios superam o FPM, o segundo lugar fica com a Bahia (87,8%), onde em 366 dos 417 municípios esta realidade acontece, seguido de Pernambuco (85,9%), 159 de 185 municípios.  Estes dados são altamente representativos de uma realidade que não pode ser ignorada: a Previdência Social reduz as desigualdades sociais e regionais e exerce uma influência extraordinária na economia de milhares de municípios brasileiros.

Há uma particularidade, da qual poucos têm conhecimento: em mais de 89,1% dos municípios brasileiros o pagamento de benefícios é superior à arrecadação previdenciária no próprio município, o que nos remete à evidente conclusão que a capacidade de redução das desigualdades regionais da Previdência Social é de uma relevância fenomenal e cumpre fielmente o dispositivo previsto no Art. 3º., I, da nossa Constituição Federal que preceitua: Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II – garantir o desenvolvimento nacional;

III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;.

A título de exemplo, poderíamos citar: Lago Verde (MA), onde a arrecadação previdenciária em 2023 foi de R$ 791.519,00 e o pagamento de benefícios somou R$ 53.456.721,00, ou seja, seriam necessários 66 anos de arrecadação previdenciária para pagar um ano de benefícios. Outros exemplos: Girau do Ponciano (AL), com arrecadação de R$ 4.783.729,00 e pagamento de benefícios de R$ 145.598.407,00, (30 anos); Paulistana (PI), com arrecadação de R$ 8.164.049,00 e pagamento de benefícios de R$ 240.025.962,00 (29 anos); Serra Dourada (BA), com arrecadação de R$ 4.111.746,00 e pagamento de benefícios de R$ 1.098.862.043,00 (26 anos); Belém da Mata (PE), com arrecadação de R$ 1.005.909,00 e pagamento de benefícios de R$ 24.262.234,00 (24 anos); Santa Rita d’Oeste (SP) com arrecadação de R$ 1425.360,00 e pagamento de benefícios de R$ 25.827.033,00 (18 anos) e Fortaleza de Minas (MG), com arrecadação de R$ 1.716.846,00 e pagamento de benefícios de R$ 20.811.055,00.

Embora tão enxovalhada por críticas, muitas delas injustas, a Previdência Social pode tranquilamente ostentar a posição heróica de âncora social do Brasil, em um cenário de profundas desigualdades sociais e regionais, como o que experimentamos em nosso país. É ela quem fixa as pessoas em seus municípios de origem, evitando o êxodo principalmente para as grandes cidades, onde levas de migrantes inchariam ainda mais as favelas superpovoadas. Muitos aposentados e pensionistas figuram como elementos de sustentação social, não por ganharem bem, mas por garantirem, com suas modestas aposentadorias, o sustento de suas famílias.

Destaque-se que o compartilhamento da renda proveniente da Previdência Social faz com que o idoso volte a ter um papel familiar importante, principalmente, na área rural, estreitando os laços de solidariedade com as gerações mais jovens que convivem com os beneficiários. Indiretamente a Previdência Rural supre a lacuna da falta de um seguro desemprego para os filhos dos beneficiários da área rural, apoia a escolarização dos netos, permite aos aposentados e pensionistas adquirirem medicamentos e terem acesso a tratamento de saúde não existente na área pública de saúde; ou seja: a partir da Previdência Rural constrói-se uma ampla rede de proteção básica no tecido social rural do Brasil. Realmente a Previdência Social para a população rural é significativa devido aos impactos redistributivos de renda e à elevada cobertura.

Percorrendo inúmeras cidades do interior do país, verifiquei que o maior sonho dos trabalhadores e trabalhadoras rurais é completar a idade, exigida pela legislação previdenciária, para se aposentarem o que demonstra, de maneira insofismável, que a Previdência Social é a última esperança dessas pessoas para viverem com dignidade, pois no Brasil, infelizmente, a dignidade está vinculada à renda.

Entre os anos de 1988 e 2023, a quantidade de benefícios pagos pela Previdência Social aumentou 238,8%, passando de 11,6 milhões para 39,3 milhões de beneficiários. Segundo o IBGE, para cada beneficiário da Previdência Social há, em média, 2,5 pessoas beneficiadas indiretamente. Assim, em 2023, a Previdência beneficiou direta e indiretamente 137,5 milhões de pessoas, ou seja, 63,5% da população brasileira. Em 2022, 27,3% dos brasileiros viviam abaixo da linha de pobreza, ou seja, 59,3 milhões de pessoas (linha de pobreza = R$ 606,00).

Se não fossem os benefícios previdenciários e assistenciais, esse percentual seria de 42,0%, ou seja, os benefícios previdenciários e assistenciais foram responsáveis por uma redução de 14,3% no nível de pobreza, o que significa que 30,5 milhões de pessoas deixaram de ficar abaixo da linha de pobreza. Os dados aqui retratados demonstram, de maneira insofismável, que a Previdência Social está cumprindo o seu papel no resgate da dignidade humana e na solidificação da estabilidade social em milhares de municípios que, muitas vezes, não fazem parte do mapa de preocupações das “elites pensantes” do nosso país. Em síntese, se não fosse os benefícios previdenciários e assistenciais o Brasil estaria na barbárie social.

Ressalte-se que a Previdência Social é fundada na solidariedade entre as pessoas e as gerações e a solidariedade é a pedra angular que mantém de pé a dignidade da pessoa humana. Por isso, hoje, quando atravessamos dias inseguros provocados pela incerteza da economia global, certamente a vida brasileira está menos tormentosa por causa dos efeitos benefícios oriundos da nossa, secular, Previdência Social. A Previdência Social não é propriedade do governo, nem dos partidos da base de sustentação do governo, e, tampouco, dos partidos de oposição. Pertence à sociedade brasileira. Destarte, conclamo toda a sociedade brasileira para que ajude a aperfeiçoá-la, tornando-a cada vez mais universal, pública e eficaz.

(*) Álvaro Sólon de França é Auditor Fiscal aposentado da Receita Federal do Brasil, foi secretário executivo do Ministério da Previdência e presidiu o Conselho Executivo da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (ANFIP). É autor dos livros “A Previdência Social é Cidadania” e “A Previdência Social e a Economia dos Municípios”.

Fonte: Congresso em foco.