Álvaro Sólon de França*
O debate sobre o sistema previdenciário brasileiro, mesmo tendo despertado a atenção de toda a Nação, devido à importância do tema, ainda assim deixou de fora aspectos reveladores da magnitude de uma estrutura que precisa ser cada vez mais aperfeiçoada, em benefício de toda a sociedade brasileira. Entre esses aspectos desconhecidos há um que se mostrou extremamente relevante, após extensa pesquisa que tive a oportunidade de participar, (A Previdência Social e a Economia dos Municípios. Brasília: ANFIP, 2019.), com base nos dados de 2017: em 4.101 dos 5.570 municípios brasileiros avaliados (73,60%), o volume de pagamento de benefícios previdenciários efetuados pelo INSS – Instituto Nacional do Seguro Social supera o FPM – Fundo de Participação dos Municípios.
Ao contrário do que muitos poderiam imaginar, o maior volume de pagamento de benefícios previdenciários em relação ao FPM não é um fenômeno estritamente nordestino. Os percentuais, também, são expressivos na Região Sudeste. No Rio de Janeiro, em 92 dos 92 municípios os benefícios previdenciários superam o FPM, o que representa 100,00%; no Espírito Santo isto se verifica em 78 dos 78 municípios (100,00%); em São Paulo em 556 dos 645 municípios (86,20%), e em Minas Gerais em 577 dos 853 municípios (67,60%). Na Região Sul o maior percentual está em Santa Catarina, (84,10%), 248 do total de 295 municípios, no Rio Grande do Sul, 404 dos 497 municípios, portanto, 81,30%, e, finalmente, no Paraná, do total de 399 municípios, 316 convivem com essa realidade, ou seja, 79,20%. Na Região Nordeste o recorde fica com o Ceará, onde em 173, (94,00%) dos 184 municípios o pagamento de benefícios superam o FPM, o segundo lugar fica com a Bahia (87,10%), onde em 363 dos 417 municípios esta realidade acontece, seguido de Pernambuco (87,00%), 161 de 185 municípios. Estes dados são altamente representativos de uma realidade que não pode ser ignorada: a Previdência Social reduz as desigualdades sociais e regionais e exerce uma influência extraordinária na economia de milhares de municípios brasileiros.
Há uma particularidade, da qual poucos têm conhecimento: em mais de 87,90% dos municípios brasileiros o pagamento de benefícios é superior à arrecadação previdenciária no próprio município, o que nos remete à evidente conclusão que a capacidade de redução das desigualdades regionais da Previdência Social é de uma relevância fenomenal. É o caso, por exemplo, de São Luiz Gonzaga do Maranhão (MA), onde a arrecadação previdenciária em 2017 foi de R$ 677.730,00 e o pagamento de benefícios somou R$ 44.916,234,00, ou seja, seriam necessários 66 anos de arrecadação previdenciária para pagar um ano de benefícios. Outros exemplos: Serra Dourada (BA), com arrecadação de R$ 1.747.459,00 e pagamento de benefícios de R$ 67.313.388,00, (38 anos); Alto Paraíso (RO), com arrecadação de R$ 1.458.893,00 e pagamento de benefícios de R$ 29.519.580,00 (20 anos); Alegria (RS), com arrecadação de R$ 1.031.095,00 e pagamento de benefícios de R$ 17.641.006,00 (17 anos); Catas Altas da Noruega (MG), com arrecadação de R$ 475.054,00 e pagamento de benefícios de R$ 7.411.623,00 (15 anos); e Santa Rita d’Oeste (SP) com arrecadação de R$ 917.657,00 e pagamento de benefícios de R$ 12.066.409,00 (13 anos).
Embora tão enxovalhada por críticas, muitas delas injustas, a Previdência Social pode tranquilamente ostentar a posição heroica de âncora social, em um cenário de profundas desigualdades sociais e regionais, como o que experimentamos em nosso país. É ela quem fixa as pessoas em seus municípios de origem, evitando o êxodo principalmente para as grandes cidades, onde levas de migrantes inchariam ainda mais as favelas superpovoadas. Muitos aposentados e pensionistas figuram como elementos de sustentação social, não por ganharem bem, mas por garantirem, com suas modestas aposentadorias, o sustento de suas famílias. Destaque-se que o compartilhamento da renda proveniente da Previdência Social faz com que o idoso volte a ter um papel familiar importante, principalmente, na área rural, estreitando os laços de solidariedade com as gerações mais jovens que convivem com os beneficiários. Indiretamente a Previdência Rural supre a lacuna da falta de um seguro desemprego para os filhos dos beneficiários da área rural, apoia a escolarização dos netos, permite aos aposentados e pensionistas adquirirem medicamentos e terem acesso a tratamento de saúde não existente na área pública de saúde; ou seja: a partir da Previdência Rural constrói-se uma ampla rede de proteção básica no tecido social rural do Brasil. Realmente a Previdência Social para a população rural é significativa devido aos impactos redistributivos de renda e à elevada cobertura.
Percorrendo inúmeras cidades do interior do país, verifiquei que o maior sonho dos trabalhadores e trabalhadoras rurais é completar a idade, exigida pela legislação previdenciária, para se aposentarem o que demonstra, de maneira insofismável, que a Previdência Social é a última esperança dessas pessoas para viverem com dignidade, pois no Brasil, infelizmente, a dignidade está vinculada à renda.
Entre os anos de 1988 e 2017, a quantidade de benefícios pagos pela Previdência Social aumentou 336,23%, passando de 11,6 milhões para 34,5 milhões de beneficiários. Segundo o IBGE, para cada beneficiário da Previdência Social há, em média, 2,5 pessoas beneficiadas indiretamente. Assim, em 2017, a Previdência beneficiou direta e indiretamente 120,5 milhões de pessoas, ou seja, 57,57% da população brasileira. Em 2017, 31,30% dos brasileiros viviam abaixo da linha de Pobreza (linha de pobreza = R$ 468,50). Se não fosse a Previdência, esse percentual seria de 46,50%, ou seja, a Previdência foi responsável por uma redução de 15,2% no nível de pobreza, o que significa que 30,9 milhões de pessoas deixaram de ficar abaixo da linha de pobreza. Os dados aqui retratados demonstram, de maneira insofismável, que a Previdência Social está cumprindo o seu papel no resgate da dignidade humana e na solidificação da estabilidade social em milhares de municípios que, muitas vezes, não fazem parte do mapa de preocupações das “elites pensantes” do nosso país.
A Previdência Social não é propriedade do governo, nem dos partidos da base de sustentação do governo, e, tampouco, dos partidos de oposição. Pertence à sociedade brasileira. Destarte, conclamamos toda a sociedade brasileira para que nos ajude a aperfeiçoá-la, tornando-a cada vez mais universal, pública e eficaz.
(*) Auditor Fiscal da Receita Federal do Brasil, ex-presidente do Conselho Executivo da ANFIP – Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil, autor dos livros “Previdência Social é Cidadania” e “A Previdência Social e a Economia dos Municípios”. alvarosolon@uol.com.br