A reforma tributária em debate no Congresso Nacional

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Com o andamento já adiantado da reforma da Previdência, a qual abrange também aspectos constitucionais e de matéria financeira, as atenções se voltam para a discussão acerca da reforma tributária, já destacada pelo presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), como o próximo foco após a aprovação da reforma da Previdência. O próprio presidente Rodrigo Maia afirmou ser a prioridade do segundo semestre, após instalação da comissão especial que analisará a proposta apresentada pelo deputado Baleia Rossi (PMDB-SP) neste ano, e já designou como relator o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB).

Já o Senado abriu outra frente: apresentou a PEC 110/2019, de expressiva autoria de 67 senadores, e relatoria do senador Roberto Rocha (PSDB-MA), que basicamente remete a muitos dispositivos da PEC 293-A/2004, de relatoria do então deputado Federal à época Luis Carlos Hauly (PSDB-PR) e já amplamente divulgada. Possivelmente, a proposta nasce com relativa força.De maneira ainda tímida surge a Frente Parlamentar Mista da Reforma Tributária, promovida por uma pequena ala de deputados e senadores, advinda das ideias da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Anfip).

Por outro lado, o governo entra de vez no cenário com intervenções pontuais, indicando certas alterações como modificar alíquota do Imposto de Renda, com redução das faixas máximas, de 27,5% para consumidores e de 34%, para empresas, para 25%. Outro ponto é a unificação de cinco tributos federais em um, o PIS, Cofins, IPI, CSLL e IOF. As expectativas para que seja enviada a proposta do governo agora é ainda maior.

O jogo irá, em termos populares, “ferver” pelo protagonismo sobre o tema. Mas ao mesmo tempo cria um ambiente de uma agenda positiva para o país. Ver os atores do processo disputando um ideal comum para um tema tão complexo é algo que nos deixa esperançosos. Situação essa mais que necessária para voltarmos na busca pelo crescimento econômico.

A mesma expectativa foi criada em 1999, quando o então presidente da Câmara Michel Temer vibrou com aprovação por 35 votos a 1 relatório da reforma tributária naquele ano. O presidente da comissão especial na ocasião era o ex-deputado Germano Rigotto e o relator Mussa Demes. Porém, como é de se notar, não teve o seu objetivo alcançado.

De lá para cá tivemos mais de 20 anos aguardando a tão esperada reforma que possa simplificar a cobrança dos tributos, reduzir as obrigações acessórias e recolocar nosso país em um ambiente econômico e fiscal otimizado. Nesse período tivemos diversos artigos, textos, livros, publicações em geral, como também Simpósios, Seminários, Congressos, Palestras, mídia e discussões em instituições que tomaram conta dos desejos de empresários e contribuintes, para as modificações da pauta nacional fiscal.

Assim, a necessidade de uma reforma tributária é crescente, à medida de que os vícios do sistema tributário atual evoluem, dentre eles a regressividade configurada pela injustiça social, complexidade do sistema, concorrência predatória entre os entes subnacionais e o novo cenário econômico, ilustrado pela inovação tecnológica, que criou diversos outras demandas que eram difíceis do legislador da década 1960 prever.

Será que chegamos num “beco sem saída”?! Sim, porque se fosse simples e fácil, a reforma já teria saído. Em verdade, o que estamos falando é de uma reforma profunda, e não de alterações pontuais no CTN ou na Constituição.

A burocracia do sistema tributário em vigor é encontrada com maior intensidade na tributação sobre o consumo, que conta com diversas legislações diferentes, diante da competência de cada estado legislar sobre o ICMS e cada Município sobre o ISS. A base de incidência sobre o consumo é dividida em cinco tributos – três de competência da União (IPI, Pis/Pasep e Cofins), um de competência dos Estados (ICMS) e um de competência municipal (ISS), cada qual conta com diversas obrigações acessórias (outro grande problema). O contribuinte gasta muitas e muitas horas identificando suas obrigações acessórias. É Lei que sobe e desce, Decreto que desaparece e legislação que ninguém conhece!

A concorrência fiscal predatória (guerra fiscal), fruto da complexidade do sistema, é tamanha a ocasionar a ineficiência alocativa dos recursos financeiros arrecadados, atingindo a atividade administrativa do ente federado, diante das renúncias parciais de receitas.

Além dessas dificuldades crescentes, o cenário econômico tomou nova forma diante da revolução digital. Ocorre que, as bases do Sistema Tributário Nacional, tiveram como finalidade reger uma economia de tangíveis, indústria de transformação e serviços locais. Ademais, se à época já havia clara dificuldade de separar mercadorias e serviços, no cenário atual ficou ainda mais difícil, em que softwares e logins são rotineiramente objetos de atividade comercial. Uma rápida pesquisa nos sites de procura da internet é possível identificar que as cinco maiores empresas do mundo, são empresas do setor da tecnologia.

A nova economia digital abrange um cenário de crescimento dos intangíveis; aumento do comércio eletrônico e alterações substanciais nas relações negociais e de trabalho, fatores inimagináveis à equipe legislativa que elaborou a Lei 5.172 de 1966 (Código Tributário Nacional), ou até mesmo ao constituinte originário, em 1988.

Afinal, o mundo mudou e muito nesses últimos anos, com erosão expressiva de bases tributárias convencionais, a exemplo marcante do ICMS incidente sobre as telecomunicações, e desenvolvimento de novas formas negociais e contratuais. No mundo inteiro discute-se como adaptar a arrecadação a esta nova economia, desafio ainda maior ao Brasil em razão de seu rígido sistema tributário. Ainda não conseguimos tributar a locação de bens móveis, mas serviços compartilhados como aqueles providos pelos aplicativos Uber, Airbnb, Ifood etc. precisam também de tratamento tributário adequado.

Nesse sentido, reconhecida a necessidade de o Estado obter recursos para atender às necessidades gerais da população, sem intervir de forma negativa no setor econômico, com maior transparência e amparando a economia digital diante de suas peculiaridades, anseia por alterações profundas na legislação Nacional.

As propostas ambicionam, precipuamente, inserir no Brasil o modelo de imposto sobre o consumo implementado nos países europeus, que é um Imposto sobre Valor Agregado (IVA), como correção das complexidades que acompanham a tributação sobre o consumo no nosso país. Nas propostas atuais, criou-se o Imposto Sobre Bens e Serviços, o IBS, que promete simplificar o recolhimento dos tributos. Nada obstante os avanços sugeridos, preocupa que sejam apresentadas apenas soluções do Sec. XX, quando já temos problemas do Sec. XXI, sob pena de uma difícil reforma que já pode nascer velha.

Por meio de mudanças estruturais, como alterar a repartição de receitas e a forma de cobrança de tributos, as propostas pretendem alcançar a simplicidade, eficiência e justiça fiscal. Envolver a progressividade e neutralidade no processo, sem aumentar a carga tributária (já tão sacrificante para o contribuinte) e sem desprezar a autonomia financeira dos entes subnacionais é o grande desafio das propostas. Por outro lado, não podemos perder a oportunidade de adaptar o sistema tributário às expressivas modificações tecnológicas e negociais.

Mas mais que isso, o cenário que se coloca deixa-nos novamente com a expectativa de que agora é a vez da revisão da nossa legislação tributária, outrora já romanceada em 1999 e em outros períodos, sendo que possivelmente o cenário econômico e a realidade atual que se posta nos renova a esperança de acreditar que esse pode ser o momento. Essa é agenda que o país precisa, quer e necessita. O Brasil anseia por voltar a crescer com solidez.

Fonte: Consultor Jurídico – Por Luciano Felício Fuck, Hully Rosário e Wesley Rocha