Apesar do perigoso precedente, a ideia de desonerar a folha de pagamentos para setores altamente expostos à concorrência internacional foi inicialmente apoiada por aqueles preocupados com a geração de empregos, pelos sindicatos e seus trabalhadores e, principalmente, pelos quatro setores inicialmente beneficiados: tecnologia da informação, móveis, confecções e calçados.
O tal precedente, no entanto, permitiu que a porteira fosse aberta. Rapidamente passou a contemplar 56 setores: os “amigos” do rei. Foram dezenas de Medidas Provisórias que incluíram novos agraciados, reduziram alíquotas e ampliaram a desoneração sem qualquer estudo técnico que justificasse a extensão dos benefícios. Ou seja, uma total falta de transparência com o trato do dinheiro público, que é fruto dos tributos que eu, você… nós pagamos.
A sociedade não arca, portanto, somente com os custos da falta de transparência. Tecnicamente, toda vez que um grupo beneficiado deixa de pagar um tributo de um lado, ele é compensado pelo aumento da tributação do outro lado, ou, ainda, pelo corte de despesas públicas. Ao final, a conta fica assim: eu, você… nós pagamos!
E esse cômputo fica ainda mais salgado quando o benefício tributário recebido -com a renúncia concedida- se apresenta desacompanhado da contrapartida esperada que, no caso dos setores econômicos beneficiados, seria o aumento da formalização de novos empregos.
Era para ser temporário! A Medida Provisória nº 540/2011, que definiu a desoneração, previa que seus benefícios fossem usufruídos somente até o fim de 2012. Ou seja, menos de dois anos. Já na conversão dessa MP na Lei nº 12.546/2011, houve a prorrogação do prazo de vigência para até 31/12/2014. A Lei nº 13.043/14, promulgada em momento político conturbado, tornou permanente a desoneração.
Na sequência, vieram as Leis n.º 13.670/18, que estabeleceu prazo de vigência para até 31/12/2020; a 14.020/20, que prorrogou esse prazo para até 31/12/2021; a 14.288/21, que estabeleceu nova prorrogação, até 31/12/2023; e a Lei nº 14.784/23, prorrogando o prazo até 31/12/2027. Ou seja, algo que era para ser provisório já perdura por mais de 13 anos. – Meu Deus! – gritaria qualquer cidadão esclarecido.
Nesses 13 anos, o programa gerou uma perda de arrecadação de centenas de bilhões de reais e a prorrogação de sua vigência por mais quatro anos, até 31/12/2027, ampliará essa perda em mais de R$ 52 bilhões. De acordo com cálculos do Ministério da Fazenda, R$ 12,26 bilhões só em 2024. Tudo isso sem uma efetiva mensuração de eventuais benefícios à sociedade brasileira. Definitivamente, não é assim que gestores e políticos responsáveis devem tratar as políticas e os recursos públicos.
Pesquisas e estudos promovidos por respeitáveis entidades demonstram que os setores beneficiados não foram os que mais empregaram a partir do momento da implantação da desoneração da folha de pagamentos. Pelo contrário, na verdade, reduziram o número de trabalhadores. Um desses estudos, produzido pelo IPEA, retrata que, em 10 anos (2012 a 2022), os setores desonerados fecharam 960 mil postos de trabalho. Uma redução de 13%.
Resumo da ópera: dinheiro público financiando o desemprego e turbinando lucros.
A sociedade brasileira precisa ser esclarecida de que ela não é obrigada, sob o seu encargo tributário, a perpetuar políticas comprovadamente ineficazes.
* Vanderley José Maçaneiro – presidente da Fundação ANFIP