Exemplos chileno e argentino mostram fracasso da privatização da Previdência

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No evento de Lançamento da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Previdência para a 56ª Legislatura, realizado nesta quarta-feira (20/3), na Câmara dos Deputados, os especialistas Recaredo Galvez, do Chile, e Julio Fuentes, da Argentina, falaram dos impactos da privatização do sistema previdenciário em seus países, gerando desemprego, idosos em situação de miserabilidade e diminuindo drasticamente o valor dos benefícios.

Recaredo Galvez é cientista político da Fundación Sol e especialista previdenciário no Chile. Ele alerta que o único setor a ganhar com a privatização da seguridade é o capital financeiro. “Estamos sofrendo um caos no sistema de aposentadoria. As pensões que estão pagando não alcançam o salário mínimo, que já é muito baixo no Chile. As AFPs [administradoras de fundos de pensão] foram criadas sem qualquer tipo de debate com a sociedade. Foi um processo ditatorial que se privatizou não só a previdência, mas os sistemas de saúde e educação, criando um caos no país”, denunciou Galvez.

Desde 2008, com a crise econômica mundial, esses fundos tiveram uma drástica diminuição de rentabilidade, ocasionando graves perdas aos trabalhadores chilenos. “As pensões pagas pela AFP não alcançam sequer o salário mínimo. As mulheres são as mais prejudicadas. Cerca de 95% das mulheres que recebem pelos fundos de pensão não recebem nem 55% do salário mínimo”, explicou o cientista político, lembrando que a privatização chilena deixou de fora da reforma os policiais e os militares de seu país.

Outra questão grave ressaltada por Recaredo Galvez é que a maior parte dessas contribuições, dinheiro dos trabalhadores, é aplicada no capital estrangeiro: “Os ganhos dessas empresas [AFPs] é absurdo. Apenas seis empresas fazem administração dessa poupança dos trabalhadores. Uma delas tem capital chileno, as outras cinco têm sede em outros países como Estados Unidos, Itália, Colômbia. Dessas, três seguradoras são dos EUA e controlam 72% dos fundos de pensão chilenos”.

Julio Durval Fuentes, presidente da Confederação Latino-Americana de Trabalhadores Estatais (CLATE), observou que a América Latina está observando o que está acontecendo com a Previdência no Brasil. “Estamos seguindo com atenção e preocupação as tratativas de quem, ocupando a Presidência, tem a intenção de privatizar o sistema de previdência”, disse o especialista.

Fuentes contou como a Argentina, que viveu por mais de uma década a capitalização da Previdência, de 1993 a 2008, conseguiu voltar ao sistema estatal de repartição. “Foi graças à luta dos aposentados”, frisou. Hoje, conforme anunciou, o presidente Mauricio Macri, também de viés liberal, está tentando privatizar novamente o sistema. “Esse ano teremos eleições e esperamos que o povo vire as costas para o governo liberal e tenha um novo modelo de proteção aos trabalhadores argentinos”, ressaltou.

Previdência do futuro

Para o diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Clemente Ganz Lúcio, não se pode falar em reforma da Previdência se não prevalecer a dignidade econômica e a qualidade de vida na velhice dos trabalhadores brasileiros. “Qual a previdência que queremos olhando para frente? Universal e que gere capacidade econômica. Primeiro, temos que fazer uma discussão da questão tributária. Segundo, temos que olhar para a atual estrutura de financiamento e isenções. É necessária uma revisão ampla das isenções e desonerações”, sugeriu o especialista.

Ele acrescentou que “um projeto de reorganização do sistema tributário é parte fundamental para pensar a Previdência, um elemento importante para reduzir a desigualdade. Não há outro caminho senão ter muita discussão política, com a sociedade, com honestidade”. Clemente Ganz também defende que o Congresso Nacional crie uma instância permanente de análise da Seguridade Social. “Temos que, permanentemente, analisar, porque é uma política que fala do futuro”, ressaltou.

Regras para os servidores

O consultor Vladimir Nepomuceno apresentou detalhadamente as regras introduzidas pela PEC 6/2019, especialmente para os servidores públicos. Segundo argumentou, outros normativos fazem parte do que ele chama de processo do fim da Seguridade, entre eles cinco PECs (previdência, pacto federativo, fim da unicidade sindical, carteira verde e amarela e desoneração da folha de pagamentos), a Medida Provisória 871/19, a previdência dos militares [entregue pelo Executivo ao Congresso na tarde desta quarta-feira] e outros projetos de leis.

“O objetivo é implantar um único sistema de previdência baseado na capitalização para todos os trabalhadores”, afirmou Nepomuceno, lembrando que a desconstitucionalização do tema vai facilitar, para o governo, as alterações necessárias.

Trabalhador rural

Evandro Morello, professor e assessor jurídico da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), expressou a indignação dos trabalhadores rurais com as mudanças contidas na PEC 6/19. Ele explicou que a realidade no campo é muito diferente da urbana, onde a vida laboral começa muito cedo, antes mesmo dos 14 anos, e a expectativa de vida é menor. “Os impactos da reforma da Previdência na área rural serão, não só aos trabalhadores, mas na vida das pessoas e na economia dos municípios. Essa PEC é quase a exclusão total da proteção social dos trabalhadores rurais”, lamentou.

Morello criticou ainda a MP 871/2019, que altera as regras de concessão dos valores pagos pelo INSS, com foco nos benefícios por incapacidade e com indícios de irregularidade. Para o assessor jurídico da Contag, a medida penaliza os agricultores familiares que ganham salário mínimo, protege os grandes devedores e beneficia instituições financeiras. “Na maioria dos municípios, os órgãos locais não possuem estrutura suficiente para fazerem o cadastro dos segurados especiais, que são os trabalhadores rurais. A proposta que o governo traz não vai funcionar. O INSS está fechando várias agências por falta de servidor, falta de recurso. A aprovação dessa proposta é o desmonte da proteção social dos trabalhadores do campo”, disse.

Reforma Solidária

Já o economista e professor do Instituto de Economia da Unicamp, Eduardo Fagnani, destacou a importância da reforma tributária dentro do contexto da Previdência, especialmente para evitar a destruição do sistema de proteção social. “Aqui no Brasil a reforma é necessária, mas tem que partir de um diagnóstico correto. O que está por trás da PEC 6/19 é promover a transição brutal no modelo de sociedade pactuado em 1988, conquistado após décadas de lutas pela redemocratização e a instituição da cidadania plena. Tudo isso sem debate, sem discussão”, lamentou.

Para Fagnani é preciso pensar numa reforma tributária que retire a tributação do consumo e recaia sobre o patrimônio e a renda, antes de se mudar o pacto federativo. Esses conceitos estão livro Reforma Tributária Solidária – Justiça Fiscal é possível: subsídios para o debate democrático sobre o novo desenho da tributação brasileira (confira aqui), lançado durante o seminário.

O evento contou com a presença de diversos Conselheiros da ANFIP Nacional e das Estaduais, de parlamentares, representantes de entidades associativas e sindicais de várias carreiras, e de servidores públicos e trabalhadores de todo o país.

Ao final, as vice-presidentes Sandra Tereza Paiva Miranda (Executiva) e Ilva Maria Franca Lauria (Assuntos Parlamentares) se pronunciaram sobre a matéria.

 

 

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