Álvaro Sólon de França*
Ao olharmos para a vida nacional deparamos com uma realidade que envergonha a todos aqueles que possuem um mínimo de compromisso com a construção de uma sociedade justa e solidária. A pobreza alcança de maneira humilhante mais de 48,4 milhões de pessoas, principalmente as crianças. Este número seria de 74,4 milhões se não fosse os benefícios pagos pela Previdência Social, através do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, ou seja, a Previdência retirou do nível de pobreza 26,0 milhões de pessoas, com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD 2014. São consideradas pobres pessoas com rendimento domiciliar per capita inferior a meio salário mínimo.
O desemprego que humilha, degrada e destrói o núcleo familiar atinge de maneira perversa 13,0 milhões de pessoas. Cenas de trabalho escravo e exploração do trabalho infantil que pensávamos existir nas nações africanas são mostradas com frequência pela mídia nacional. Por outro lado, milhões de pessoas, fruto do desemprego, subemprego, informalização e precarização das relações de trabalho, estão sem nenhuma proteção previdenciária. Essas pessoas em caso de infortúnio, certamente, ficarão na humilhante condição de dependerem da caridade alheia, para suprirem as suas necessidades básicas de sobrevivência.
Em 2017, o país tinha 11,16 milhões de pessoas de 15 a 29 anos que não estudavam nem trabalhavam, 619 mil a mais do que em 2016, segundo dados da PNAD 2017. São milhões de jovens chamados “nem, nem, nem”, que nem estudam, nem trabalham e desistiram de procurar emprego. Por outro lado, a violência ceifa a vida de milhares de pessoas, principalmente os jovens, presas fáceis dos traficantes, já que não são alvos de políticas públicas que os habilite para o exercício saudável da cidadania. Parcela ponderável das favelas das grandes cidades está dominada por um poder paralelo, onde o direito constitucional de ir e vir é desrespeitado sistematicamente, pois o Estado, anêmico de políticas sociais, de lá, há muito tempo, se ausentou.
Por seu turno, a elite econômica brasileira, na sua maioria injusta e perversa, usa de todas as formas lícitas e ilícitas para não pagar os seus impostos e contribuições. A falta de vontade política, resumidas na falta de investimentos em fiscalização e na frouxidão legal, para cobrar de maneira eficiente os caloteiros e sonegadores, fez com que o estoque da Dívida Ativa da União ultrapassasse os extraordinários R$ 1,8 trilhão, metade dos quais devidos por pouco mais de 13 mil empresas e pessoas físicas. Sendo que destes, 350,7 bilhões se referem a Dívida Ativa previdenciária. Por outro lado, a dívida pública do governo federal fechou o ano de 2017 em R$ 3,55 trilhões, quase 80% do PIB – Produto Interno Bruto, segundo dados divulgados pela Secretaria do Tesouro Nacional, órgão do Ministério da Fazenda responsável por seu controle. O valor é 14% maior do que no final de 2016.
Mas o que estarrece é que, diante de uma realidade como esta, a sociedade está perdendo uma oportunidade ímpar de discutir e encontrar soluções para os nossos graves problemas porque os programas eleitorais oferecidos pelos candidatos à Presidência, no pleito em 2018, não proporcionam a criação de um ambiente propício para um grande pacto nacional para a construção da sociedade que todos almejamos: livre, justa e solidária, que erradique a pobreza e a marginalização e reduza as nossas profundas desigualdades sociais e regionais. Por outro lado, o que se vê são programas eleitorais que preferem apresentar os candidatos como salvadores da pátria. Destarte, estou propenso a acreditar numa célebre frase que permeia os corredores burocráticos de Brasília: “Nada está tão ruim que não possa piorar”.
Para os que pensam que estou sendo muito pessimista, deixo para reflexão um trecho do artigo, do grande pensador italiano Norberto Bobbio, intitulado “O dever de sermos pessimistas” (As Ideologias e o poder em crise. Ed. Universidade de Brasília. Pág. 177/81.): “De boa vontade deixo para os fanáticos, ou seja, para aqueles que desejam a catástrofe, e para os insensatos, ou seja, para aqueles que pensam que no fim tudo se acomoda, o prazer de serem otimistas. O pessimismo hoje, seja-me permitida mais esta expressão impolítica, é um dever civil. Um dever civil porque só um pessimismo radical da razão pode despertar com uma sacudidela aqueles que, de um lado ou de outro, mostram que ainda não se deram conta de que o sono da razão gera monstros.”
(*) Ex-Presidente do Conselho Executivo da ANFIP (Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil) e do Conselho Curador da Fundação ANFIP de Estudos da Seguridade Social. Autor dos livros “A Previdência Social é Cidadania” e “A Previdência Social e a Economia dos Municípios” – alvarosolon@uol.com.br