Congresso. Lira cria grupo para analisar proposta que regulamenta cassinos em resorts, caça-níqueis, bingos e até jogo do bicho; para bancada religiosa, “vício” prejudica famílias
Congresso sobre a legalização de jogos de azar colocou em campos opostos dois dos principais grupos aliados do governo Jair Bolsonaro. De um lado, o Centrão age para aprovar uma proposta ampla, que inclui a liberação até jogo do bicho, sob a justificativa de que vai favorecer a economia e promover o turismo.
Do outro, evangélicos dizem que o vício em jogos prejudica famílias e contraria valores que eles defendem.
O Palácio do Planalto evita se posicionar sobre o assunto, mas o filho mais velho do presidente da República, o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), é um dos defensores de tornar a jogatina legal no País.
Os jogos de azar são proibidos no Brasil desde 1946, quando o então presidente Eurico Gaspar Dutra afirmou que a “tradição moral, jurídica e religiosa” do País não combinava com a prática, além de considerá- los “nocivos à moral e aos bons costumes”. Desde então, diversas propostas foram apresentadas para legalizar a jogatina, mas nenhuma avançou.
Um dos líderes do Centrão, o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), decidiu tentar novamente e criou, no mês passado, um grupo de trabalho para discutir um projeto sobre o tema. Ele escalou como relator o deputado Felipe Carreras (PSB-PE), seu aliado, e pretende levar a proposta a votação em plenário em novembro.
O ponto de partida do texto de Carreras é um projeto aprovado em comissão especial da Câmara em 2016, mas que nunca teve a votação no plenário marcada.
A proposta regulamenta as atividades de cassinos em resorts, máquinas caça-níqueis, apostas online, bingos e jogo do bicho, além de uma anistia geral, extinguindo processos judiciais em tramitação. Hoje, explorar essas atividades é considerado contravenção, com pena de até um ano de prisão.
Segundo Carreras, embora o projeto seja amplo e inclua o jogo do bicho, seu foco será liberar os cassinos integrados a resorts.
“Tem instrumento de fiscalizar e arrecadar. Qual a consequência disso? Gerar emprego formal. Quando traz (para o Brasil) os grandes cassinos integrados de resorts do mundo, você tem um produto turístico. Espanha, França, Itália, Alemanha, Portugal, Reino Unido, Canadá, México têm (cassinos)”, afirmou o relator.
Ao mesmo tempo em que Lira acelera a discussão na Câmara, o Senado também analisa pelo menos três projetos sobre jogos de azar. O presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), declarou há duas semanas que pode colocar um deles em votação caso haja acordo.
Sob relatoria do senador Ângelo Coronel (PSD-BA), uma das propostas se limita a regulamentar a abertura de cassinos em hotéis. Segundo Coronel, a liberação desses empreendimentos poderia gerar uma arrecadação de R$ 30 bilhões por ano ao País. O cálculo tem como base a participação que os jogos têm na economia da Itália e considera que a tributação sobre eles no Brasil seria similar à aplicada hoje na aposta esportiva.
“Na Itália, em torno de 1,3% do PIB é fruto do jogo. Se tomarmos como base a Itália, a receita para os entes federados (do Brasil) ficará em torno de R$ 30 bilhões com tributação similar à esportiva bancada pela Caixa Econômica Federal”, disse.
Coronel tem a seu favor o lobby de Flávio Bolsonaro. No início do ano passado, o filho do presidente visitou cassinos em Las Vegas, acompanhado do então presidente da Embratur e hoje ministro do Turismo, Gilson Machado, e do senador Irajá Abreu (PSD-TO), que também é autor de um projeto que prevê cassinos em resorts. Na ocasião, o grupo se reuniu com Sheldon Adelson, um apoiador de Donald Trump que comandava a Las Vegas Sands, uma das maiores empresas do mundo do ramo de cassinos. Adelson também se encontrou em 2018 com Bolsonaro, então presidente eleito, e com o ministro da Economia, Paulo Guedes. O americano morreu em janeiro deste ano.
Apesar do lobby do filho, Bolsonaro tem dito que, caso a legalização dos jogos seja aprovada, vetará a medida, mas deixou aberta a possibilidade de sua decisão não ser a final. “Eu acho que vai ter mais a perder do que a ganhar no momento. Se, porventura, aprovar, tem o meu veto, que é natural, e depois o Congresso pode derrubar o veto.
Sim, o que está sendo discutido até o momento contará com o meu veto. Ponto final”, afirmou o presidente à revista Veja no fim de setembro.
O líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (Progressistas-PR), disse, porém, que não há posição oficial do Planalto sobre o tema. “Depende da abrangência”, afirmou ele em relação ao apoio ou ao veto do governo à iniciativa.
“Princípios”. A bancada evangélica diz que não medirá esforços para evitar que a legalização dos jogos de azar avancem. “Minha posição contrária à legalização dos jogos de azar continua a mesma, sou visceralmente contra, e, por se tratar de princípios, não mudará jamais”, disse o deputado Marco Feliciano (Republicanos-SP), pastor evangélico e um dos congressistas mais próximos de Bolsonaro.
“Não falei sobre esse assunto com o presidente, porém, até onde o conheço, acredito que ele não seja a favor.” Auditores fiscais também têm pressionado para que a iniciativa não seja aprovada. A Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip) divulgou nota no fim do ano passado segundo a qual “os efeitos deletérios resultantes da jogatina superam qualquer possível ganho econômico advindo da prática”.
“Além de estimular atividades ilícitas como corrupção, prostituição, tráfico de drogas e lavagem de dinheiro, pode causar sérios danos à saúde, desencadeando doenças como a ludopatia – transtorno compulsivo patológico reconhecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS), causado pelo vício em jogos”, afirmou a associação.
PROJETOS
Câmara dos Deputados Substitutivo ao Projeto de Lei 442/1991 Legaliza cassinos, jogo do bicho e bingos, anistia acusados de exploração ilegal de jogos de azar e extingue processos judiciais em tramitação. Parado desde 2016, serve de base para o grupo de trabalho montado por Arthur Lira.
Senado Projeto de Lei 186/2014 Libera e regulamenta cassinos, bingos e jogo do bicho. De autoria do hoje ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (Progressistas- PI), foi rejeitado pela CCJ em 2018, mas ainda pode ser analisado pelo plenário.
Projeto de Lei 4495/2020 Prevê a regulamentação do funcionamento de cassinos integrados a resorts. Projeto está pendente de análise pelo plenário do Senado – o relator da proposta ainda não apresentou seu parecer.
Projeto de Lei 2648/2019 Limita-se a regulamentar cassinos em resorts. Tramita em comissão da Casa e ainda não teve relatório apresentado.
Projeto de Lei 595/2015 Trata sobre a proteção ambiental e a promoção do ecoturismo por meio da gestão compartilhada com hotéis autorizados a explorar jogos de apostas. E cria um imposto sobre a operação de hotéis-cassino. Está parado em comissão desde 2018.
PARA LEMBRAR
Divergências entre ministros
Os ministros do governo Jair Bolsonaro também têm posições antagônicas sobre a legalização de jogos de azar no País. Na reunião ministerial de 22 de abril de 2020, que foi divulgada após decisão do então decano do Supremo Tribunal Federal (STF), Celso de Mello, os ministros Paulo Guedes (Economia) e Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos) e o ex-titular do Turismo Marcelo Álvaro Antonio trocaram críticas por causa do assunto.
“Eu acredito que pode ser, nesse processo da retomada, uma grande oportunidade para o Brasil atrair grandes complexos, dos quais apenas 3% são utilizados para os cassinos. E outra, isso não tem impacto diretamente nenhum na família dos trabalhadores brasileiros”, disse o exministro do Turismo na ocasião.
Evangélica, Damares rebateu: “Pacto com o diabo!” Guedes defendeu a ideia de legalizar cassinos. “Aquilo ali não atrapalha ninguém. O presidente fala em liberdade. Deixa cada um se f… do jeito que quiser. Principalmente se o cara é maior, vacinado e bilionário. Lá não entra nenhum brasileirinho desprotegido. Entendeu?”, declarou.
Fonte: O Estado de S. Paulo.
- Matéria também divulgada pelo Correio do Povo – AL: acesse aqui.