Burro não paga INPS

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Normalmente, nos antigamentes, o fiscal que fazia um levantamento ficava umbilicalmente ligado ao mesmo. Somente ele devia e podia fazer uma revisão do débito e a ele cabia pronunciar-se sobre os termos da defesa, cotejando-os com o seu relatório. Mas isto era nos antigamentes.

Na época, o critério ainda era este e eu me encontrava, às voltas, fiscalizando uma empresa construtora de estrada-de-ferro. (Naquele tempo o Brasil ainda construía estrada-de-ferro). Era uma empresa que, nos sertões da Bahia, estava prolongando os trilhos da EFCB em busca das linhas do nordeste. Aqui no Rio de Janeiro, a fiscalização da matriz, do centralizador. De lá vinham alguns SF de comprovação física. Dentro da carga fiscal, grossa papelada, havia também um processo originado de levantamento anterior, de outro colega então aposentado.

O levantamento era bem fundamentado em perfeito relatório, mostrando a clareza e licitude do débito que me competia rever, face a ausência do fiscal emitente. Mas a defesa também era um primor de perfeição. Bem fundamentada, explicava não haver mão-de-obra tributável, não haver fato gerador justificando o débito apurado.

Tratava-se de um pagamento a determinado senhor, pessoa física, que recebia avultada quantia mensalmente. O colega, sem prova em contrário, atribui tais valores como se fosse mão-de-obra e empreiteiro, o que não deixava de ser, como veremos. Agiu certo, como devia agir um fiscal de seu gabarito.

A defesa, bem fundamentada como já dito acima, dava a explicação pela qual aquela mão-de-obra não era tributável. Tratava-se de ser o empreiteiro o proprietário de uma tropa de burros, talvez uns cinquenta, cada qual com dois caçuás no lombo, que faziam um trajeto entre a central de obras, onde um gigantesco funil os enchia de pedra britada e, um atrás do outro, dirigiam-se até a ponta do trilhos, onde um operário dava uma pancada numa trava, o fundo do caçuá se abria e a brita era descarregada. Uma vez aliviada a carga, o burrinho voltava, sozinho, ao moinho para recolher nova carga. (Convenhamos que os pacíficos animais eram burros).

A defesa era fundamentada com atestados locais, com fotografias e elementos que não deixavam dúvidas quanto a sua veracidade. Nem mão-de-obra era. Melhor seria qualificar como pata-de-obra, ou melhor, cascos-de-obra. Não havia o fato gerador de débito previdenciário. O débito caiu.

Pior foi aguentar a gozação do contador da empresa, pai da bem fundamentada defesa, quando disse:

– Eu sei que quem paga INPS é burro, mas nunca vi burro pagar INPS.

Não é que ele tinha razão!

Autor: Nuno da Cunha Lobo Souto Maior – Rio de Janeiro (RJ)