Como encontrei a R.A.I.S

584

Mara Rubea Alves Correia- João Pessoa- PB

E mais uma vez, lá fomos à cata dos contribuintes que há muito tempo não eram visitados. Os períodos a serem fiscalizados giravam em torno de dez anos e, para efetivarmos o trabalho, saímos aos pares, nas famosas “juntas fiscais”.

Destino: duas cidades que nunca tínhamos ouvido falar e que se escondem no Cariri Paraibano. Tais lugares são limítrofes com Pernambuco, que na época, era governado por Miguel Arraes. Entramos em contato telefônico com o representante do município avisando da nossa chegada. Em seguida nos dirigimos à estação rodoviária, quando tivemos a alvissareira notícia de que o ônibus nos deixaria numa localidade próxima, uma vez que não existia linha regular para aquelas cidades.

Mas, movidas pelo sabor da aventura, na ânsia de conhecermos aquelas paragens, de termos contato com o povo sabidamente sofrido de uma região muito árida, fomos adiante sem pensarmos no que seria o passo seguinte. Na nossa pequena bagagem, além do estritamente necessário, ia a consciência da tarefa a ser cumprida. De acordo com o previsto, o ônibus parou após 3 horas de viagem, indicando que ali deveríamos descer. Olhamos em torno e começamos a ficar apreensivas. Dia de feira local, muita gente, a maior balbúrdia e nós de bagagem nas mãos saímos em busca de informações de como chegar ao nosso destino. Os interioranos são muito prestativos e já estávamos com um garoto segurando nossas valises mandando que o seguíssemos pois já ia sair a única lotação caso não a alcançássemos, só no dia seguinte.

Quando ele nos apresentou ao motorista, este logo perguntou:

– “As madames são da capital?”. Ao respondermos ativamente, ele em voz baixa (estávamos junto aos demais passageiros) nos convidou a entrar na “lotação” (que não era mais do que um veículo do tipo Jeep). Ao sentarmos, o motorista deu partida e nós estranhamos pois havia outras pessoas que ele não mandara subir. Mas logo esclareceu:

– Ainda vou abastecer, mas mandei que entrassem logo para que ficassem no banco da frente que é o melhor. Agradecemos a sua atenção e só quando todos tomaram seus lugares foi que entendemos: misturados com as pessoas também iam suas feiras e até um pequeno porco nos fazia companhia.

A estrada era muito precária com muita poeira, buracos, um total desconforto, apesar do “banco da frente”. Sem contar com a algazarra dos demais passageiros falando ao mesmo tempo e gesticulando muito. Observávamos e curtíamos a proximidade com pessoas tão diferentes das que estávamos acostumadas a lidar.

O sol já se punha no horizonte quando finalmente desembarcamos na prefeitura. Fomos recebidas efusivamente por um senhor, do tipo bonachão, que se identificou como prefeito. Após as apresentações perguntamos para onde deveríamos nos dirigir para obter hospedagem, ao que o “Sr. Zezé”(como era conhecido) nos informou que a cidade era muito pobre, não dispunha de hotéis ou similares, porém, não deveríamos nos preocupar pois, a casa dele já havia sido estruturada para receber os visitantes e que lá se encontravam, no momento, o doutor e a professora que eram da cidade vizinha.

Podíamos comparar a casa do Sr. Zezé à uma “casa grande” de uma fazenda, com seus ambientes enormes e seus móveis pesados. Ele era dono de um carisma impressionante. Impunha respeito e domínio aos ambientes da cidade, como se esses fossem os moradores de sua fazenda. À hora do jantar, fizemos parte de uma grande mesa onde o casal anfitrião ocupava as cabeceiras e nós outros enormes bancos que ladeavam. Apesar do grande cansaço, aceitamos o convite para sentar depois do jantar à calçada à espera da brisa gostosa que invade a região a noite. E foram chegando outras pessoas da vizinhança para, numa grande roda contarem seus casos.

Na manhã seguinte fomos levados à prefeitura, onde nos esperavam dois funcionários designados para nos auxiliarem. E após dois dias de trabalho ininterruptos, quase dez horas da noite, exaustos com poeira em todos os poros, nossos companheiros de labuta sonolentos, virei-me para o rapazinho e disse:

-Vá buscar a R.A.I.S.

Prontamente ele levantou-se, saiu da sala e passados alguns minutos, voltou com Sr. Zezé a tiracolo.

– Pois não doutora. O que está acontecendo?

– Tudo bem, estamos terminando o trabalho e pedi ao Luís que trouxesse a R.A.I.S. para concluirmos.

E para nosso espanto, o prefeito olhou para seu auxiliar e esbravejou:

-Êta, quanta ignorância… Esse louco foi me procurar às pressas dizendo que a senhora estava procurando governador de Pernambuco, Dr. Miguel Arraes.