A inflação e a tabela do Imposto de Renda (Vilson Romero)

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Se fosse totalmente corrigida, a faixa de isenção do Imposto de Renda saltaria de R$ 1.903,98 para R$ 3.881,65

Sem mexer na estrutura de impostos, o governo descumpre a promessa de campanha de não aumentar a carga tributária. Não só este governo, mas todos, desde 1996, acumularam defasagens na tabela de desconto do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF).

Com a divulgação do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de 2019, registrando, em 12 meses, uma elevação de 4,31%, a defasagem da tabela do IRRF ultrapassa, pela primeira vez, os 100%, segundo revela estudo dos auditores fiscais da Receita Federal.

No período analisado, entre 1996 e 2019, a variação do IPCA somou 327,37%, muito superior aos reajustes realizados pelo governo nas faixas de cobrança do tributo, que ficaram em 109,63%.

Esse fato gerou uma defasagem de 103,87% nos valores da tabela. O ano inicial do estudo é 1996 porque foi a partir de quando a tabela começou a ter os valores em reais.

Nos últimos 23 anos, em apenas cinco as correções superaram a inflação: 2002, 2005, 2006, 2007 e 2009.

Se fosse totalmente corrigida, a faixa de isenção do Imposto de Renda Retido na Fonte saltaria de R$ 1.903,98 para R$ 3.881,65, e cerca de 10 milhões de contribuintes a mais deixariam de pagar o tributo, avaliam os auditores.

Como a faixa de isenção não se eleva, a cada ano, mais contribuintes com proporcionalmente menos renda tributável (em especial, assalariados) ingressam na faixa de retenção. Portanto, essa defasagem eleva a carga tributária dos menos aquinhoados, dos mais pobres.

Se for feita a correlação com o salário-mínimo, no início do período (1996), a faixa de isenção alcançava as rendas líquidas de até nove salários mínimos. Passados mais de duas décadas, os que têm renda líquida (deduzindo previdência, dependentes, etc) acima de R$ R$ 1.903,99 (91% de dois salários mínimos de 2020), já sofrem desconto em suas remunerações a título de IRRF.

Por exemplo, quem ganha valor líquido próximo ao teto do INSS (R$ 6.100,00), o desconto seria de R$ 195,32, se a tabela fosse corrigida integralmente. Como isto não ocorreu, a carga tributária somente neste imposto é 313% maior, pois o desconto mensal hoje é de R$ 808,15.

Este efeito regressivo é sentido, como já afirmamos, nos contribuintes de menor poder aquisitivo, cujo prejuízo aumenta inversamente à renda líquida percebida.

Como o governo só anuncia sua reforma tributária para mais adiante, sem sinalizar com a possibilidade da correção desta defasagem, o trabalhador mais pobre continua pagando mais efetivamente esta conta.

A recuperação da economia, mesmo que lenta, e a aceleração nas reformas estruturais poderiam abrir um flanco para minorar as perdas da grande massa trabalhadora que não tem como fugir deste encargo.

Publicado em: Misto Brasília e Diap.

Vilson Antonio Romero é jornalista, auditor fiscal aposentado, conselheiro da Associação Brasileira de Imprensa e coordenador de Estudos Socioeconômicos da ANFIP.