Câmara debate reestruturação da RFB. ANFIP expõe preocupação com cenário apresentado

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A Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados debateu nesta terça-feira (3/9) a redução do número de superintendências da Receita Federal do Brasil. A ANFIP acompanhou o debate, sendo representada pelo vice-presidente de Política de Classe e Salarial, José Arinaldo Gonçalves Ferreira. Os debatedores presentes foram Heleno Taveira Torres, professor de Direito Econômico, Financeiro e Tributário da Universidade de São Paulo, e Jaime Durra, coordenador-geral de Planejamento, Organização e Avaliação Institucional da Receita Federal do Brasil.

O secretário Marcos Cintra também foi convidado para o debate, porém, de acordo com o deputado Sérgio Souza (MDB/PR), que conduziu a sessão, uma decisão interna do governo recomenda que o secretário não compareça ao Parlamento até que se encaminhe a reforma tributária. “Entendo a preocupação do governo em segurar o anúncio da sua reforma tributária, pois isso pode ter movimentação na economia, no entanto não entendemos o fato de ele não nos avisar com antecedência”, disse, ao relatar a presença de várias pessoas, que foram à Comissão acompanhar a audiência devido à relevância do tema tratado. “Quero demonstrar meu descontentamento com o descaso com o Parlamento brasileiro, que debate, além da reforma tributária, outros temas. Aqui estão representantes de vários estados brasileiros, que vêm acompanhar a audiência porque percebem essa diminuição do número de superintendências como algo que pode trazer prejuízo ao Brasil”, registrou.

Heleno Torres ressaltou que a RFB é necessária e essencial, conforme as regras constitucionais. “Estamos vendo com perplexidade a reforma da Receita Federal, de um órgão que deve ser transparente, da forma mais oculta possível”, lamentou. Torres ressaltou que o assunto deveria ser debatido com o público interno, os Auditores Fiscais e técnicos, e o externo, imprensa, contribuintes, advogados, contadores, assim como o Senado Federal e o Tribunal de Contas da União. Segundo afirmou, a reestruturação não considera os modelos mais técnicos de avaliação das administrações tributárias. “Na área acadêmica, como professor titular de direito Financeiro, me preocupa muito, justamente num momento de crise, quando precisamos empreender um esforço máximo para obter uma maior arrecadação de tributos, justo aí, surge uma movimentação para reduzir a capacidade de ação da Receita Federal”, disse.

Torres, ao final, enfatizou que o órgão tem que ser eficiente para o aumento de arrecadação. “É falsa a alegação de que as superintendências da Receita Federal são meros órgãos de burocracia, porque as divisões de arrecadação, as divisões de fiscalização, a proximidade do povo e a compreensão das relações econômicas de cada região são fundamentais para a ação da Receita Federal. A superintendência tem esse papel de compreender a descentralização pela regionalidade para, a partir daí, construir, em Brasília, as políticas fiscais globais”, destacou. “A partir do momento que a Administração Tributária não tem esses elementos, passa a trabalhar de forma isolada, distante da realidade das diversas regiões do Brasil”, finalizou.

Jaime Durra, em sua participação, explicou as três motivações para a reestruturação da Receita Federal: a falta de recursos orçamentários; a diminuição considerável do quadro de pessoal, sem a realização de concurso público nos próximos anos, e a edição do Decreto 9.679/19, que cortou na RFB 22% das funções comissionadas. Diante desse cenário, ocorreu a necessidade de reestruturar órgão. “A gente sabe que não dá para continuar fazendo aquilo que a gente faz, da maneira que a gente faz, tentando obter os mesmos resultados, com menos recursos e principalmente menos servidores. Essa reestruturação vem no sentido de obter resultados ao menos iguais aos que a gente obtém hoje, apesar de utilizar menos pessoas e menos recursos”, justificou.

Durra disse ainda que as mudanças estão baseadas na especialização e regionalização do trabalho, na redução dos níveis hierárquicos (níveis gerenciais intermediários) e na racionalização das unidades (diminuição de superintendências e fechamento de agências).

A criação de delegacias e equipes especializadas faz parte dessa racionalização do trabalho. “Essa é toda a base da reestruturação que está sendo feita”, afirmou. Hoje existem 94 delegacias no Brasil, que, segundo Durra, executam todas as atividades de administração tributária e de fiscalização. “Dentro dessas delegacias, existem Auditores, analistas e administrativos que executam atividades repetidas em cada uma das unidades. O modelo que está sendo proposto é uma especialização do trabalho com uma jurisdição regional através da criação de delegacias e equipes especializadas. Ao invés de termos 94 delegacias que fazem trabalhos iguais, vamos ter delegacias especializadas em fiscalização, delegacias especializadas em gestão do crédito tributário, delegacias especializadas em repressão aduaneira, dentre outras”, explicou.

Para o coordenador-geral, essa nova configuração proporcionará um melhor aproveitamento dos servidores. “A ideia é especializar o trabalho para que cada servidor consiga entregar mais e, no final, a Receita consiga entregar o seu valor à sociedade, mesmo estando com problemas de pessoal”, disse.

Sobre a diminuição do número de superintendências, Durra disse que a atual divisão em dez regiões fiscais “foi importante para a RFB num mundo que era voltado ao papel”. Em um cenário onde os processos são eletrônicos, enfatizou o coordenador-geral, o trabalho pode ser feito distante dos contribuintes. “Dentro desse modelo de diminuição do número de delegacias, o papel da superintendência também muda. Ela continua tendo papel de supervisão e gerência, mas as delegacias especializadas passam a ter hierarquia maior com o órgão central”, disse sobre a diminuição de dez para cinco regiões. “Com isso, temos melhor divisão do trabalho”, acredita.

O vice-presidente José Arinaldo mostrou-se bastante preocupado com a reformulação da Receita Federal e, em sua intervenção, destacou que o único prejudicado é a sociedade brasileira, pois a Receita Federal é o principal órgão para que o Estado arrecade seus recursos. “Nenhum país do mundo, numa situação como essa, iria querer enfraquecer o principal órgão para que o Estado arrecade seus recursos. Não sei qual o interesse em enfraquecer um órgão fundamental para a arrecadação nacional, num momento econômico tão delicado. Não sei aonde querem chegar com o enfraquecimento da Receita Federal. Isso é preocupante. Quando o Estado precisa de recursos, ao invés de desestruturar um órgão de arrecadação, ele procura incrementar, inclusive aumentando o número de servidores, para que a gente desenvolva ações em prol da sociedade brasileira”, enfatizou.

A audiência completa pode ser conferida aqui.